Há uns tempos, mais de ano, estava assistindo ao programa de Ana Maria Braga (qual o problema?) e passou uma reportagem sobre uma professora que decidiu viver só no meio da Amazônia, dando aula para suas crianças que vinham de longe quando o rio deixava. Quem também a visitava eram uns ribeirinhos que moravam por ali, para trazer farinha, peixe, agrados. O repórter, impressionado em ver uma mulher tão culta morando na selva, perguntou se ela não sentia falta de conversar com alguém de maiores estudos. E o que ela respondeu eu protejo bem para não esquecer: “Sei algumas coisas de português, história, matemática, geografia. Mas não sei fazer farinha, nem pescar. Cada um tem seus conhecimentos e ignorâncias, ninguém vale mais nem menos por isso”.
Lembrei dessa frase porque outro dia ela foi revisitada, também na televisão. No GNT Fashion, a apresentadora Lilian Pacce encontrou Regina Casé num desses eventos de moda e uma das primeiras coisas que quis saber dela foi como uma moça tão bem educada, ex-aluna do Sacré-Couer, foi se interessar por povo. E Regina, muito fina e elegante, respondeu que foi justamente por ter tido uma boa educação que aprendeu a conviver com todas as classes sociais. Que uma coisa estava implicada na outra, e era assim que devia ser.
E enquanto esse dia não chega, porque nem sei se estamos habilitados a viver num mundo tão melhorado, vou rememorando o que dizia meu professor de estética, com aquela voz de quem só fala coisas importantes. Quando a gente reclamava que estava ficando difícil o assunto, e mesmo tolerar a vida a partir daqueles conhecimentos adquiridos, ele só respondia: “Lamento, não dá para voltar a ser pescador”, tomando por pescador o homem sem metafísicas, como o Esteves do poema de Pessoa. E a gente se entristecia, porque naquela hora era mesmo o que todo mundo queria, uma condição qualquer de despensar.
Tatiana Mendonça escreve às sextas
4 comentários
Comments feed for this article
agosto 10, 2012 8:34 am às 8:34
Ricardo Viel
Tati, lindo texto. A referência a Esteves me emocionou. Tao bom (e tao pouco valorado) é o mundo sem metafísicas, penso eu.
agosto 10, 2012 11:54 am às 11:54
Tatiana Mendonça
:) Tem um livro, “A máquina de fazer espanhois”, de valter hugo mãe, que conta um pouco da vida de Esteves. acho que você ia gostar.
agosto 27, 2012 1:56 pm às 13:56
ana clélia
Gosto sempre, Tati. Tem sido assim quando leio vc… Leio vc ao ler o que escreve? rs. Saudades de novo… Bjo
março 15, 2013 7:02 am às 7:02
Sobre o desencanto | O Purgatório
[…] vez disso, tenho apenas uma lembrança. Um professor meu — aquele mesmo que já citei aqui — dizia que na vida não temos escolha. Que pela soma das circunstâncias, a gente só […]