A frase é de Lorenzo, meu sobrinho, que tem dois anos de idade. A bem da verdade, o que ele disse foi algo como “tau, pateu, vô cumê banana”. Em todo caso, atenhamo-nos à mensagem.

Lorenzo faz assim quando não quer mais saber de uma coisa: despede-se dela, acenando com a mãozinha, educadamente dizendo-lhe tchau. O gesto serve para variados tipos de situação.

Serve quando a circunstância lhe requer uma decisão entre duas coisas de que gosta – como nesse exemplo, em que se viu entre o pastel e a banana.

Serve também quando ele se entediou com uma coisa e já demanda por outra – como quando, assistindo aos desenhos na tv, sente que deu a hora de trocar de canal.

E serve ainda quando ele sente algum tipo de repulsa ou medo por certa pessoa ou objeto – como no caso do monstruoso robô preto e cinza movido a pilha que sua avó lhe deu de presente, com o qual entretanto sua única interação é sempre dar um tchauzinho e nenhum sorriso, antes de mandá-lo de volta às profundezas do guarda-roupas.

Noves fora a corujice, encanta-me nisso que Lorenzo faz o que me parece ser uma espécie de equivalência ontológica entre todas as coisas. Quero dizer: para uma criança de dois anos, parece ainda não existir uma hierarquia consolidada entre as existências alheias: é evidente que ela tem lá suas preferências, mas não há um rótulo fixo de “melhor” ou “pior” colado nas coisas, nas gentes.

Porquanto não sendo o mundo dessa primeiríssima infância o imenso (o infindável) concurso geral de tudo contra tudo que é o mundo dos adultos, não há uma demanda a priori pela eliminação de uma coisa ou pessoa em prol da existência de outra. Se não te quero agora, tchau. Se não te quero mais, tchau. Se não gosto de você, simplesmente tchau.

Daí a beleza desse tchau tão delicado, que me parece querer dizer “acho ótimo que você exista, apenas quero que você se afaste neste momento, obrigado”; jamais o peremptório “não gosto de você, e como não quero que você exista, preciso te eliminar”.

Talvez seja por isso que acompanhar uma criança aprendendo a se expressar com as primeiras palavras nos encha a todos sempre de tanto encanto: ela nos faz afinal recordar certa capacidade atávica nossa de enxergar as pessoas e as coisas como um imenso conjunto de diferenças, ante as quais nos é facultado até preferir umas às outras, mas jamais submeter sua existência a nenhuma hierarquia.

Porque afinal não há nenhuma hierarquia nas pessoas nem nas coisas, tampouco nascemos com nenhuma hierarquia no olhar: tudo isso são tolices, são pequenezas que a gente aprende por aí, na vida, Lorenzo.

Ricardo Sangiovanni escreve aos domingos