Todo mundo gosta de histórias de amor. Se engana quem pensa que esse é um privilégio dos românticos.
Aliás, as melhores histórias de amor extrapolam os limites do ROMANCISMO convencional. Elas possuem mais substância que o água e açúcar do AMOR DE GARAPA. Precisam daquela dose cavalar de drama, pitada de comédia, tablete de amargura para dar um bom caldo. Esse é o caldo que alimenta nossa alma, preenche nossa vida. Mesmo nos simulacros teledramatúrgicos de depois da nove, o amor tem que passar perrengue para dar certo. Para ter final feliz, para que valha a pena o beijo final que precede os créditos, mais importante que as declarações de amor eterno, são os contratempos infindáveis, os desencontros memoráveis, os aborrecimentos cotidianos, a família pentelha, a chatice insuportável da sua [suposta] alma gêmea. Engana-se quem pensa que o amor foi concebido para dar certo. Lamento desapontá-los, o amor nasceu para fracassar. O príncipe moderno faz glu-glu e ié-ié e a princesa perdeu o sapatinho quando desceu do QUEIJO no baile carnavalesco. Está tudo lá, na obra romântica mais visceral do século passado, LUA DE CRISTAL.
Não adianta me xingar, me excluir de suas redes sociais nem mandar e-mail pro editor-chefe pedindo minha cabeça. O que sei, digo que sei e provo. O nosso encantamento por histórias de amor provém justamente desse fascínio pelo fracasso eminente, pela intermitência da desilusão batendo à nossa porta. Afirmo não apenas por ser, eu mesmo, um exímio sabotador da minha vida amorosa. Mas por ter exemplos aos borbotões dessa tese irrefutável da falibilidade do amor com alta taxa de GLICOSE. A INSULINA para mim, chega até via SMS. Vejam só as mensagens que passei a receber há uma semana:
“Fia, estava querendo falar contigo. Ontem estava com tanta vontade… Tô agora em Monte Santo” – detalhe: Essa é a versão TRADUZIDA, pois a mensagem original veio em português, digamos, pouco usual. Desses que aboliram pontuação, conjugação, tempos verbais, complementos nominais e qualquer outro entrave morfossintático. Mas aqui não cabem julgamentos. O amor e a língua portuguesa não foram feitos para humilhar ninguém.
Tenho por hábito não responder mensagens erradas. Dificilmente respondo até as certas, e quando faço, faço com DELAY. Não apaguei, ela ficou lá, na caixa de entrada. Três dias depois, mesmo número, nova mensagem:
“Paty, veja bem. Vez em quando eu ligo para Edson. Ontem ele me perguntou se eu tinha alguma novidade. Eu disse que não. Ele me falou que tinha uma. Que você está de namorado novo e eu estou no mundo da lua. Tô sem acreditar, se for verdade…. Duas porradas, a morte de meu pai e esta conversa agora. Eu queria ser tão feliz a teu lado, tava esperando você dizer: Val, vem me buscar, que eu iria. Ia fazer você feliz, ia mostrar quem eu sou a tua família. Eu sou o que sou. Ninguém muda ninguém, só Deus. Sou honesto, trabalhador. Nêga, fica na presença do senhor, me desculpe se escrevi alguma coisa que te magoou. Tô indo para Salvador.” – levei quatro horas para traduzir esse trecho. No final entendi como FRANÇOIS CHAMPOLLION se sentiu ao decifrar a PEDRA DA ROSETA.
Fiquei no dilema. Respondia dizendo que o número estava errado? Dava algum conselho? Oferecia-me para intermediar o conflito, abraçava a causa tal qual faria Amelie Poulin? Hesitei. Um misto de timidez e curiosidade combinado ao faro jornalístico me sopravam que uma nova mensagem chegaria. Errei. Chegaram duas. Um dia depois, na sequência:
“Fia depois eu quero sabe desta istoria direito” – aqui, compreensível, no ORIGINAL.
“Paty, bom dia Nêga, eu quero saber desta história de verdade, não me negue. Eu gosto de você de verdade, eu já te falei: Não engano e não quero ser enganado. Vamos embora para Salvador, vamos sair, deixar um bilhete. Se você gosta de mim de verdade, vamos. Te dou minha palavra, vou fazer você feliz tá? Tô esperando a resposta de tudo isto. Tô aguardando a resposta.” – traduzi essa parte com um NÓ na garganta.
Com o coração dilacerado, a alma aflita, não soube o que fazer. Fui totalmente envolvido pela história de duas pessoas absolutamente desconhecidas para mim. Pior, ao me omitir, estava colaborando para que tudo desse errado, pois certamente Paty não sabia das mensagens, nem das intenções, de Val. E se ele ficar aguardando-a na rodoviária, na esperança de que ela embarque, com ele, para Salvador? Ela não aparecerá e ele pensará que Paty renunciou ao amor dele, ignorando a proposta. E se for mentira o suposto caso de Paty, e ela estiver aguardando um sinal de Val? Quem é Edson? Qual envolvimento dele com Paty? Será tudo armação de PAOLA BRACHO? Quem matou SALOMÃO HAYALLA?
Curiosamente, ontem tomei conhecimento do curta argentino ‘Ni uma sola palavra de amor’, que já se tornou viral na internet. É uma filmagem feita a partir das mensagens gravadas em 1998 em uma secretária eletrônica, onde Maria Tereza tentava falar desesperadamente com Enrique, seu marido. A fita foi comprada num deste mercados de pulgas, bastante comuns na Argentina, e filmado por El Niño Rodriguez com Andrea Carballo, esplêndida, no papel de Maria Tereza. É uma representação magistral de um entrecorte da relação entre um casal com dificuldades de comunicação. É um desabafo de uma mulher que se vê numa situação limite, ou nem tão limite assim, mas que está terrivelmente fragilizada pela falta de reciprocidade emotiva do parceiro.
Os personagens verdadeiros do cassete foram localizados pela imprensa argentina e seguem juntos. Talvez um pouco da magia do episódio tenha sido quebrada com essa revelação, já que nossa imaginação é muito mais rica que a realidade desvelada – talvez desejássemos um desfecho sangrento, passional para esse roteiro. Porém ela serve para confirmar a tese a que me referi antes: O verdadeiro amor foi feito para dar errado. É isso que faz dele único e banal ao mesmo tempo. A sensação que, quanto mais o mundo conspira contra ela, mais destinado a eternidade ele está. Não precisa ser feliz para ser inolvidável.
Por isso, não me intrometerei na história de Paty e Val. Ficarei daqui torcendo para que tudo acabe bem. Isso não significa que dê certo. Afinal, como todas as outras, esta é só mais uma história de amor.
E uma história de amor não foi feita para ter final feliz . Foi feita para ser vivida.
Alex Rolim escreve às quintas
1 comentário
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maio 2, 2014 11:46 am às 11:46
Só mais uma história de amor | Iraraense
[…] Alex Rolim escreve às quintas Texto originalmente publicado em O Purgatório […]