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Borges dizia que se há algo que não existe esse algo é o esquecimento.

Na Espanha pós-Franco, os responsáveis pela transição democrática ignoraram a sentença do escritor argentino e fizeram de conta que a Guerra Civil Espanhola –  que cobrou cerca de meio milhão de vidas – nunca havia existido.

Espalhadas por praticamente todo o país, há cerca de duas mil fossas comuns onde jazem por volta de cem mil vítimas da guerra. Pouco mais de 10% dessas fossas foram abertas. O mais assustador é que muitos dos familiares sabem onde estão enterrados os seus. Apenas querem que eles sejam identificados e ganhem uma sepultura digna, para que deixem de ser “desaparecidos”.

Os que defendem que não se deve voltar a tocar nessa ferida dizem que isso é passado, aconteceu há muitas décadas, e que é preciso seguir adiante. Mas os fatos desmentem essa afirmativa.

1) “Na minha casa a Guerra Civil é presente, se fala dela, se vive ela. Minha mãe paralisou sua vida por quase 30 anos até encontrar meu avô”, me conta um conhecido. Seu avô, para salvar a vida, partiu para o México. Depois de décadas conseguiu reencontrar a família. Para eles é impossível esquecer algo que determinou suas vidas.

2) Henrique sofre de Alzheimer. Não se lembra de praticamente nada e não  reconhece ninguém. Quem cuida dele são os vizinhos, já que não tem família. Não tem família porque na época da Guerra Civil seu pai foi assassinado, seu irmão teve que fugir para outro país e sua mãe foi enforcada, mas não morreu (viveu até os 93 anos). Quando ainda era possível estabelecer uma conversa, Henrique contava sobre o episódio, mas nunca disse se assistiu à tentativa de execução da mãe. Hoje ele  quase não fala e se comportava com uma criança – joga no chão a comida, rasga revistas. Quem cuida de Henrique gostaria de acreditar que ele também esqueceu do que aconteceu durante a guerra, mas seu olhar perdido diz o contrário.

3) Há alguns meses fui a uma exposição de fotos sobre a Guerra Civil. Eram instantâneas que retratavam lugares destruídos, famílias em fuga, hospitais e centro de acolhida de órfãos. As fotos me tocaram, mas aquela guerra não me pertencia; me pareciam algo distante no tempo e no espaço. Logo percebi que não era tanto assim. Vi um casal de idosos, ela amparando ele pelo braço, olhando uma das imagens detidamente. Estavam muito próximos do retrato, talvez pela miopia. Eu passava ao lado deles quando ela sentenciou: “Sim, isso aqui é em Valência, eu me lembro desse lugar, nós passamos por lá”.

Ricardo Viel escreve às segundas

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