Demorei muito a te responder, mas não vou pedir desculpas. Se entendi o que me disse em gratas e tantas cartas, não há quase um erro que se poderia ter acertado, apenas o que se poderia ter feito. Eu não consegui te escrever, e tampouco os motivos valem mais que o teu segundo, não alteram afinal os fatos, e só há fatos. Contudo, não tenho nenhum da minha vida cotidiana a relatar: o que vivo já deve estar inteiramente aqui, e só consigo dizê-lo porque vivo.

Não aprendi nada, e tenho um contentamento ao constatar, como quem perpetra o segredo. Olho para o que fiz e sinto um grande susto: continuo sem saber como faria outra vez, e guardo somente a vantagem de não ter medo, ou melhor, o medo do medo. Um professor me disse, sem pesar, sem tragédia publicitária, uma frase de que rimos: a vida é um despreparo. E no instante em que ele levantou, sabíamos, tanto não havia mais o que ensinar, como tampouco houve.

Quanto à poesia, tenho-me feito novamente a sua pergunta: se eu não escrevesse, morreria? Apenas aqueles que respondessem “sim” teriam o direito de prosseguir. Tempos e tempos eu me vi à porta, porque sempre pude dizer o contrário.  Alguém não falou que, ao segurar uma brasa, não é o fogo quem queima a minha mão, e sim o seu “não”, o seu “não ser também fogo”? Coragem é dizer sim, garantiu outro poeta. E só poderia eu realiza-lo, caso entendesse a pergunta. E a questão está na palavra “morrer”, este verbo duplo. Morrer é conseguir seguir sair do ponto em que importa estar. Não é então que eu necessite de escrita, ela que se posiciona onde me importa ser.

Depois da morte, ainda mais difícil é o amor, pois vai do indivíduo para o compartilhamento. Releio a sua carta de 14 de maio às vezes por música e brindo o teu nome por ter previsto o nosso momento: aquele em que a mulher e o homem se procurariam não mais por convenção de gêneros; mas pelo encontro de duas humanidades, ambos na feitura de seus sexos, e então igualmente pessoas. Estamos no fio do dilema: como permanecer com outro por uma escolha continuada? A nossa capacidade nos põem práticos, em uma alternância de opções e mudanças literais, mas ainda não sabe insistir no mergulho de um único mundo, para verificar quão funda é a liberdade e se conseguiremos descobri-la neste modelo. Qual todo desafio de geração, este também é o meu.

É possível que eu leve as suas cartas para outras pessoas lerem e não acredito que vá sentir-se mal. Nós dois sabemos que, ao nos comunicarmos, falamos intimamente com toda a humanidade. Onde esta existiria, para evitarmos tantas abstrações que tanto nos confunde, senão inteira em um homem só? Quem assim fala francamente quer sair do puro humano a outro. Então toma um pouco, que vou querer mais até uma próxima. Por enquanto quero que as palavras caminhem e se misturem comigo a uma rotina qualquer de uma manhã comum.

Do seu,

Saulo Dourado, que responde cartas quinzenalmente às segundas-feiras.