Você já leu Brida, de Paulo Coelho? Eu acho massa esse livro. Ele fala de magia e de reencarnação, que são assuntos de que sempre gostei, e foi em Brida, inclusive, que achei uma resposta alternativa a aquela que o espiritismo dá para uma pergunta que sempre me inquietou sobre o assunto da reencarnação: como é que o aumento da população se encaixa nessa história?

O espiritismo fala em planos, certo? Que a Terra seria apenas um patamar no meio da trajetória até a elevação espiritual. Com todo respeito a quem crê na doutrina espírita, eu não me sinto confortável com essa explicação, porque ela leva a outras perguntas, sobre esses outros planos, cuja busca das respostas não me atrai, já que não sou muito religioso. Sendo assim, uma resposta mais em conta, que satisfaça minha curiosidade limitada sobre a relação entre reencarnação e demografia, me basta. Essa resposta eu achei em Brida.

No livro, o mestre dos magos explica que a alma tem a capacidade de se dividir; uma alma pode gerar vários seres humanos. De lambuja, isso serve para explicar o costume que o pessoal tem, de dizer que a origem de certas relações íntimas está na alma. Aquela coisa de: “Ai, a gente é irmão de alma!”, e tal.

Por que eu tô falando tudo isso? É que, outro dia, descobri o músico brasileiro Domingos Caldas Barbosa, que viveu na segunda metade do século XVIII. Ele é considerado o inventor da modinha, aquela coisa romântica, suave, chorosa, bem típica da MPB lato sensu. Dá uma olhada na letra de uma de suas modinhas:

Nós lá no Brasil
A nossa ternura
A açúcar nos sabe,
Tem muita doçura.
Oh! se tem! tem.
Tem um mel mui saboroso
É bem bom, é bem gostoso.

Ah nhanhã, venha escutar
Amor puro e verdadeiro,
Com preguiçosa doçura,
Que é amor de brasileiro.

Quando li isso, na hora me lembrei de Brida, da explicação da divisão de almas, e tive certeza: a alma de Domingos Caldas Barbosa reencarnou no século XX dividida em duas:

Luiz Caldas e Beto Barbosa.

Tá na cara! Quem é que não sabe que, quando a pessoa tem alma de artista, não tem quem a desvie de sua sina? Alma de artista há sempre de ter impulso criativo. Seja lá em quantos pedaços ela se fragmente.

E tem mais: quase todo artista se concentra em um conjunto restrito de temas, de questões que o instigam e o inspiram. Não à toa, há algo em comum na letra da modinha mais famosa de Domingos e no grande hit de Beto. Compare:

Nós lá no Brasil
A nossa ternura
A açúcar nos sabe,
Tem muita doçura.
Oh! se tem! tem.
Adocica, meu amor,
Adocica,
Adocica, meu amor,
A minha vida, ô

.

Aproximação idêntica ocorre entre Domingos e Luiz, em termos de estilo versejador e também de intenções, pois, enquanto Caldas I compôs aquela modinha visando a apresentar o periférico Brasil ao público da metrópole lisboeta, o desejo por trás do grande hit de Caldas II foi o de apresentar um ícone da cultura local de sua terra ao vasto público nacional.

Ah nhanhã, venha escutar
Amor puro e verdadeiro,
Com preguiçosa doçura,
Que é amor de brasileiro.
Vem, meu amor
Vem com calor
No meu corpo se enroscar
Vem, minha flor
Vem sem pudor
Em seus braços me matar
(…)
Tieta do Agreste
Lua cheia de tesão
É lua, estrela, nuvem
Carregada de paixão

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Minha hipótese, efetivamente, carece de maior profundidade; estou planteando um patrocínio para a pesquisa. De toda sorte, creio haver indícios significativos apontando que Paulo Coelho pode estar certo sobre a reencarnação; somente da alma do pai da modinha, afinal, poderiam derivar as almas do pai do axé e do rei da lambada.

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Breno Fernandes escreve às terças