É na hora em que esse barco bater em uma onda mais forte de repente e virar que eu morro. Aqui mesmo, nessa lancha burguesa voltando das férias, segurando a garrafa d’água e enrolada na canga mais branca que eu, por sorte. A gente vai cair primeiro por baixo do barco. Nesse sentido era melhor ter pego aqueles dois lugares lá em cima mesmo, porque em Titanic era assim, melhor ficar por cima.

Mas agora vamos cair por baixo, então será preciso proteger a cabeça do golpe e nadar rápido pra sair. Haverá um pouco de pânico. Água fria, muita gente, tal, alguns estarão desacordados ou um pouco feridos. Alguém vai tentar dar algum sinal pra chamar alguém pra o resgate, mas não vai rolar. Estamos já a meio caminho entre a ilha e o continente, sei lá.

Vai ter um choro, uma vela, uma fita amarela. Umas despedidas, estaremos juntos, vai ficar tudo bem. E depois de um tempo a gente morre – espero que ao mesmo tempo, diferente de Titanic -, o sol abrasando a água, aquele sal chupando o corpo todo, rasgando a pele da boca pouco a pouco.

É de algum egoísmo morrer agora com você ao meu lado de bônus – que você provavelmente preferiria morrer em terra firme. Mas eu que achei que já tinha acabado esse negócio de chorar feito bezerro desmamado diante desse azul indescente – sem tpm, nem cachaça, nem nada pra dar a deixa – estou aqui emocionada na hora da morte.

Todo lugar pode ser bom e vai ser ótimo, mas só se vive meia vida longe desse mar. Todo reencontro com ele é um acidente da lancha burguesa do qual eu não volto mais.

 

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Camilla Costa escreve aos sábados.