Cheguei à porta da padaria e o espanto me invadiu como se fosse novo. Estava lá a estátua parada, obtusa, popular, melancólica. A estátua que, desde a minha mudança para o bairro, já habita a frente da Padaria do Paraíba. Nem mesmo o dono justifica com argumentos sólidos a estadia da obra de ferro: não há fins lucrativos. Mas, ao ser questionado sobre ela, sempre dá de ombros e responde com indiferença: “Ah, já tá aí, né? Agora deixa. E onde é que eu vou botar essa coisa do tamanho de um homem?”. Sim, de um homem, vestindo-se com farrapos e de cabelos desgrenhados; a mão estirada pedindo o troco. Alguns clientes da Padaria chegam a fazer menção de colocar uma moeda na palma de ferro, mas logo percebem a dupla desumanidade. Os mais antigos contam que existia mesmo um mendigo, na mesma posição, e um artista replicou após sua morte. Outros poucos, com uma cigarrilha na boca, afirmam que foi o próprio mendigo quem virou estátua.

O mendigo e a sua capacidade de me provocar uma visão maior me fizeram cliente da Padaria. Minhas pequenas compras são todas por lá. Às vezes, chego a ganhar alguns itens gratuitamente ou até presentes em aniversários. Ao me ver chegar, o Paraíba ri da expressão que faço e sabe que eu paro exatos cinco segundos antes de dar o primeiro passo para dentro. Ele também gosta de mim. Foi nos sacos especiais de Natal que publiquei o meu primeiro conto e recebi cumprimentos dos funcionários como “o escritor”. Ainda perguntam: “Vai querer quantos hoje, escritor?”.

Devo também à Padaria do Paraíba o surgimento do meu primeiro coração. Lembro ainda no vão dessas prateleiras. A moça olhava o preço do leite pasteurizado, enquanto eu me divertia em decorar os nomes dos vários tipos de queijo que adormeciam no freezer. Quando me virei em sua direção, vi em seus olhos a vontade de devorar um apetitoso pão de cebola. Ela expressava, em seu semblante exótico, uma vontade incontida e nunca digerida de esbaldar-se em pães e pãezinhos de cebola. Vi naquela insatisfação gastronômica um motivo para amar. E a amei.

Não sei se ela me retribuiu, mas começou a comprar os queijos que eu dedilhava. Eu me aproximava do leite pasteurizado, como um cético que só gosta de café puro. Caminhei discretamente, já no terceiro dia de amor, e apanhei o fruto bovino com a glória de uma taça.  No quarto dia, tentei comprar-lhe pão de cebola, mas faltou-me a coragem. No quinto e no sexto dia, ela não compareceu. No sábado, ela comprou rapidamente uns ingredientes que pareciam ser para uma lasanha. Mas não, não adiantava ela comprar a padaria inteira, se ela não se saciasse com os pães de cebola que eu poderia lhe dar.

No domingo, enchi um saco com vários e o coloquei na altura do espanto para quando ela viesse. Um desavisado pegou o saco e o comprou, mas eu tive paciência de encher outro, enquanto esperava a moça, já entediado dos queijos, passando a casar presuntos com mortadelas, num incesto aperitivo. Eu já estava abstrato, e ela pareceu, arrumando os cabelos com uma presilha nova, limpando os sapatos no carpete de entrada e finalmente se incluindo no ar paraibano. Ela passeou dois minutos, antes de finalmente ver o saco com os pães. E soube.

Enquanto ela pagava, eu me dirigi à porta, de costas para a Padaria. Estalava os dedos por dentro dos bolsos, fingia observar carros estacionados, fechava os olhos para sentir algum cheiro distante de mar. O desejo é mesmo esta espera suspensa, onde todas as outras coisas parecem já ter chegado. Foi o instante em que uma mão se pousou em meu ombro. Eu, com a petrificação das visões, permaneci longamente na idêntica posição, antes de virar-me.

A moça dos pães de cebola caminhava à minha lateral, quase esquiva, e bem logo atrás estava a estátua do mendigo, com o braço estirado. Hesitei, olhei novamente entre os dois, a retina úmida. Não sabia qual dos dois milagres se colocara sobre mim.