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Desde que cheguei usei a palavra “último” mais do que deveria.
Um convite: “uma última cerveja antes de partir?” (cheguei de viagem mas já, já viajo de novo). Um obituário: “Em uma de suas últimas entrevistas, Chris Marker afirmou…”. O amor: “última semana antes da gente se ver”.
Talvez seja coisa de gente fixar as coisas para se sentir vivendo. Colocar pontos, interromper, amarrar o tempo; acho que não nos damos bem com o fluxo. Viver, parece, é sinônimo de se mover num espaço bem definido.
Uso esse verbo, “mover”, de proposito; porque ele indica a complexidade da nossa relação com o tempo. Não é apenas que queiramos, parece-me, congelar o tempo. Mas isolar um tempo dos vários outros existentes; e esse isolamento é espacial, é de uma operação geoafetiva de que se trata. Isolamos um tempo excluindo tudo o que não nos interessa e conservando o que nos queremos viver.
Como se o estar no mundo, para ser pleno, para ser válido, demandasse criar um espaço ideal, onde tudo que nos interessasse estivesse ao alcance. Exemplifico: se falo numa “última cerveja antes de partir” penso num presente ideal, em que só a cerveja, o parceiro da cerveja, o bar e as conversas que planejo de ter, existem. É um mundo a parte que se acende, enquanto o resto (o bar ao lado, a dor de dente, o compromisso do dia seguinte) se descolore.
É cômodo e prático falar assim. Mas se fosse para apostar, ficaria com a transcendência das coisas, ao invés de sua (suposta) imobilidade. Falar em últimas semanas, últimas cervejas, últimas entrevistas, é um atalho que da língua que, como tal, não dá conta da extensão de nossa experiência.
Porque haverá a lembrança, como houve a expectativa da cerveja. Porque os filmes de Chris Marker, morto mês passado, transformaram o substantivo “tempo” num verbo a se flexionar. Porque “amar é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”. Haja e haverá.
De tanto falar a gente acaba crendo no que diz.
Diego Damasceno escreve às terças