Na agonia de ser quis desesperada dizer te amo ao primeiro que aparecesse.  E depois lhe entregar um bilhete em que se lê: é tudo, menos indolor. Pensou se a razão de não caber era desejar uma recompensa. E se fosse, o quanto estava distante da saída.

O homem a olharia confuso e antes de ter tempo de perguntar seu nome ela já teria ido embora. Depois ele leria o papel muito amassado e a amaria por piedade. Se ele contasse essa história para quinze amigos, e eles a recontassem para seus cachorros ou gatos, e assim por dia diante até o dia em que ela estaria tomando café com leite num balcão de padaria e uma mulher sentada ao seu lado diria para uma velha como o mundo está louco, reproduzindo em seguida o acontecimento, acrescido de um beijo com o qual o rapaz até hoje sonha. Queria tanto estar em acontecimentos. Então ela iria sorrir e, coisa que nunca fez, conversaria com estranhos. Mas como foi mesmo isso? E ao fim afirmaria, categórica: tenho certeza de que foi algum artista. Eles não fazem mais quadros.

E se escrevesse um livro, encadeando as palavras de maneira correta, e não confusa, como em sonho. Tudo ordenado como uma história bonita. Não que uma história bonita não possa ao mesmo tempo ser confusa, mas seria melhor se não fosse. Mesmo a história de Deus é tão torta, apesar de certa, que o necessário é escrever uma erradamente precisa. Por compaixão reza para que Deus não exista. Deve ser horrível ver tantas chances repetidas e os mortais semelhantes sempre tentando tão inutilmente acertar.  Tomara não esteja ninguém se importando.

E foi se ausentando da vida para poder contar a própria vida, quase para fingir que não era com ela e assim doer menos. Mas desse modo distante não tinha o que dizer. Não tinha os meios.  Melhor seria mesmo amar desconhecidos,  pensar em construir uma nau dos sem rumo, e, como Clarice, ser a mãe do mundo. E depois de terminar sua história, como se já fechasse o livro ainda inexistente, viraria à janela e diria comovida ao vento: e os dias, que têm me levado tão longe.

Tatiana Mendonça escreve às sextas