Passo por uma dessas construções da cidade e vejo o slogan do empreendimento. “Um bom lugar para morar”. Não dá para julgar a honestidade da propaganda com o prédio ainda no osso, mas se não for verdade, pelo menos é simples e promete atender a necessidade de quem procura um imóvel, que precisa ser, antes de tudo, antes mesmo do espaço gourmet, do redário (!) e da piscina com deck molhado (!!), um bom lugar para morar. Não é isso que procuramos desde antes de nos tornarmos sedentários? O adjetivo bom pode ser genérico, sei. Mas estamos falando de publicidade. Então vamos dar aquele desconto camarada.
Não quero aqui julgar a necessidade de mil “itens de lazer” em condomínios de apartamentos de 30m², mas usar isso para criar slogans do tipo “um novo conceito em morar” é algo que fere minha sensibilidade cada vez menos sensível. Primeiro implico com o uso indiscriminado da palavra conceito. Mas, vamos lá, propaganda. Mas o que me fere mesmo é a palavra “novo”. Se há um teto, paredes e divisão opcional entre cômodos e você dorme a maior parte das suas noites naquele lugar, então você mora lá e não tem nenhuma novidade concreta aí.
Nem os 10 apartamentos por andar em um condomínio de mais de 10 torres coladas uma à outra, ao ponto de se conseguir uma xícara de açúcar do vizinho do prédio em frente, apenas esticando o braço pela janela, podem ser considerados novos. As pessoas vivem em cortiços há muito tempo. “Ah, mas tem um clube na frente do prédio!”. E quantas pessoas moram em frente a clubes? Nada de novo. Então, finalmente cai a ficha, e percebo que vender um “novo conceito” pode ser menos pilantra do que prometer um “bom lugar” e não ser capaz de entregá-lo.
Os itens de lazer, ou a presença de um shopping dentro do condomínio, são só distrações para o fato de você ter comprado uma casa de pombo para a sua família. Sem falar das paredes finas e pé direito cada vez mais baixo. São distrações sobretudo para o fato de você ter pago caro por ela.
O irônico disso tudo é que na tentativa de ter menos contato com a rua de verdade, e com o outro, todos esses felizes proprietários de cubículos, em suas fugas da claustrofobia doméstica, vão ser obrigados a se encontrar na piscina, no redário e no espaço gourmet. Vão ter que conviver, e que deus os ajude.
Pedro Fernandes é o convidado especial deste sábado. Vítor Rocha retorna na próxima semana
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