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– Espectro.
– Passaredo!
A palavra mais bonita, mais intrigante, dava direito ao lanche da tarde, sem custo. Palavras, moedas de carinho no meio da cerração de toda manhã. Sempre ela primeiro.
– Demógrafo.
– Hum. Eu trouxe uma linda e difícil: estupefato. Es-tu-pe-fa-to!
O muro do colégio arrancava-os do mundo. Pra dentro, só quando a cerração sumia, quando a diretora dava por falta, quando a aula era de Educação Artística. Fora isso, mais valia a companhia das palavras. O muro, na parte de trás da escola, carta de alforria para meninices.
– Acho que com estupefato você ganhou, Bia decretou, fechando o dicionário depois de conferir o significado.
– Você tá se deixando vencer fácil. Logo você, craque em palavra de causar falta de respiração! Você gostou mesmo de estupefato?
– Claro que gostei, Dino. Você podia era ter dado uma idéia de nome para sua mãe, antes mesmo de você nascer. Onde já se viu: Alexandrino!
Quando Bia sorria, ele guardava a imagem. Ela sacudia levemente a cabeça, fechava os olhos, depois passava a mão nos cabelos. Longos, negros.
– Um dia ainda faço um colar de pérola com cada um dos seus sorrisos.
Dino não deixava escapar. Bom de palavra, bom de conquista, ele pensava.
Quando ela aparecia na virada do muro, em meio à cerração, as palavras se perdiam por alguns instantes na cabeça de Dino.
– Peripécia.
– Felpuda. Gosto dessa porque me lembra algo macio mesmo, algo que se aproxima do real significado da palavra.
– Perdeu.
Falar o significado antes quebrava o encanto. Ponto negativo no jogo.
Os encontros duravam cerca de vinte minutos, tempo de suspensão, de respiração desatenta – acelerada, confusa – de desconforto com as próprias vontades. Era pra calar? Era pra falar?
– Sucumbir.
– Desalinho.
Bia levou, tangerina e castanha-do-pará.
A manhã acordou no dia seguinte cheirando a flor de campo, ares de quem carrega novidade. Frescor. Dino não errara na constatação: Bia veio de cabelos molhados. Não respondeu ao bom dia.
– Coragem. Coragem!
Dino se assustou com o tom mais incisivo.
– Enredar, disse ele.
A cerração ganhou cores, então.
Carmezim escreve às quartas