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A apresentadora do telejornal anunciava com animação que se aproximava o fim das férias escolares. Mas ainda havia aí uma semaninha e a gente sabe como é difícil ocupar o tempo livre dessas crianças, não é mesmo? A repórter concordava, mas apenas para aparecer em seguida com uma solução miraculosa. Juntando todos os pais do condomínio, era possível, sem grandes custos, contratar recreadores para passar o dia com eles.

A única coisa que consegui pensar foi que o mundo estava definitivamente em colapso. Desde quando, Deus meu, criança precisa de alguém que a ensine a brincar?

Lembro que quando era pequena eu e minhas amigas passávamos horas escolhendo qual seria a brincadeira do dia, ou então montando um jogo mirabolante que a gente tinha acabado de criar. Gastava-se mais tempo nisso do que brincando propriamente. E no melhor momento, sempre aparecia um pai, uma mãe, para levar alguém pra casa. Mas nem dava para protestar muito, por causa do cansaço que já tinha derrubado todo mundo (mesmo que a gente nunca, jamais, fosse admitir uma coisa dessas).

Fora essa parte de levar embora e estragar a festa, não havia ali por perto ninguém monitorando o que se fazia. Só vez ou outra um de maior aparecia, mas só para checar se estávamos todas vivas e respirando. Ou, com muita sorte, para dizer que era hora do lanche. Sei que vou carregar pra sempre a alegria daqueles dias, porque não há nada que se compare à doçura da infância – desconfio, amparada por alguns teóricos, de que dela são feitos todos os livros do mundo.

Passar para as crianças a agonia adulta de ter o tempo eficientemente preenchido não pode dar em nada que preste. Outro dia, fui entrevistar a psicanalista Maria Rita Kehl e ela disse uma das coisas mais geniais que já ouvi, para amparar sua tese de que  ao atulhar a ‘agenda’ dos filhos com cursos disso e daquilo, os pais estão, em verdade, criando sujeitos mais propensos à depressão:  “Vai se criando uma infância em que a criança não tem a experiência fundamental de estar entregue a si mesma, tendo que inventar como preencher seu tempo. Elas não conhecem o vazio, no bom sentido do vazio, que é quando a criança começa a ‘inventar arte’, como diziam os mais velhos. Isso é a fonte da vitalidade infantil, da criatividade, da imaginação, é algo que vale para o resto da vida. Saber que eu posso criar algo sobre o vazio é a potência humana”.  Registre-se, cumpra-se.

Tatiana Mendonça escreve às sextas

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