Nessa época de discussões importantes no Brasil pouco importadas para os periódicos, pedi ao grande amigo Jose Pedro de la Carrera que escrevesse uma história que ele me contou. Ele escreveu, eu traduzi com liberdade, com sua autorização, e agora comparto conosco, leitores de nós mesmos:
“Eu não conhecia algo similar, não sei vocês, mas me surpreendeu. Ouvi alguma coisa, ainda que pouco, e já era tudo como realmente é. Em todo caso, acho que o que posso contar-lhes também será pouco.
Tem que ir lá.
Refiro-me a Christiania (conhecem?), uma cidade a poucos metros do centro histórico da bela Copenhague, Dinamarca.
É uma cidade livre em pouco mais de 30 hectares e autogerenciada por seus mil residentes. Foi um movimento de “okupas” que, em 1971, se apoderou daquele espaço que havia abandonado o exército dinamarquês.
Com ideologia hippie, o movimento construiu casas e escritórios e formou essa comunidade com uma evidente forma de vida alternativa.
O governo não ligava praquilo, mas já há rumores de que podem varrer tudo para fazer um lugar clean.
O certo é que em Christiania não entra a repressão da polícia, a lábia dos políticos e, por outro lado, entre outras coisas, pode-se negociar e queimar qualquer tipo de erva.
É uma favela, sem governo. É a anti-favela. É a refavela!
Quem entra passeia tranquilamente por ruelas de terra, de paralelepípedos ou asfaltadas, que conectam todos os rincões.
No seu interior, Christiania tem grandes edifícios modernosos mas também de madeira, com formas quadradas ou simples, com mosaicos ou pitorescos grafites.
Nesta cidade mágica chega gente do todo o mundo, alguns brilham, outros assustam os olhos com a paisagem verde.
Pusher Street é a rua principal, apenas a metros da entrada mais concorrida e onde se vendem os produtos hippies.
O que pode parecer surpreendente, para além do perfume de Jah circulando naquele ar de tranquilidade, é um bairro/cidade organizada por seus próprios moradores, sem Estado.
É como entrar numa bolha. Ali suas leis são quatro e simples, lembradas ao visitante em grafites nos muros: Não às armas, não às drogas duras, não à violência, sem fotos.
Ainda é necessário proibir as fotos para proteção contra repressão. Mas ali não há bandidos. Favela!
Nela como noutras, talhado em um pedaço de madeira preso na saída, está a seguinte frase: “You are now entering the EU (Agora você está entrando na União Europeia) lembrando que se está deixando um território livre de uma sociedade independente.
Um espaço onde o turismo se converte em um momento de meditação e curiosidade em conhecer uma forma diferente de vida que nos mostra a possibilidade de existência de lugares onde as utopias da harmonia permanecem vivas, sem violência.
Lá, por que não cá?”.
Vítor Rocha escreve (ou convida) aos sábados.
O original está aqui.
1 comentário
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julho 3, 2011 12:19 am às 0:19
Igor
O problema que identifico no “de cá” é a origem. A primeira favela no Brasil (do morro da Providência) nasceu por descaso do governo ao deixar os combatentes da Guerra em Canudos sem a habitação que haviam prometido quando voltassem do combate com êxito. Com isso, sem ter onde morar, sem alternativa, os combatentes e familiares foram se instalando com o que tinham no morro. Talvez esta não tenha sido a mesma realidade de Christiania mas acho engraçado que ela nasceu de um território “abandonado pelo exército dinamarquês”. rs rs rs