Elas servem para abrir portas, mas outra característica própria das chaves é a capacidade inalcançável  de se esconder. Gaveta, bolsa, cama, almofada, jornal, bolso, sapato, geladeira, pilha de papel, tudo é esconderijo.

Desde que surgiu em Roma e ainda era um prego (‘clavus’), esse objeto comum ao nosso cotidiano cultiva tal aspecto que já gerou muita discórdia e perda de tempo em todo o mundo.

Júlio César esbravejava ao não encontrar o preguinho torto que unia as argolas da porta dupla do seu banheiro imperial:

– Jaaaaaaaaime!, cadê a porra da chave?, gritava, ao mordomo.

Ao fim condenou o pobre funcionário à execução — quem já viu César se borrar todo sem que alguém pague por isso?

O pior é que o ‘clavus’ sempre estava, ao final, pendurado na argola da porta, onde exatamente deveria estar, mas invisível ao olhos imperiais. Houve quem dissesse no Império que o danado sumia e depois aparecia só para causar a confusão.

Eu acredito.

Ninguém nunca calculou, mas milhões de horas já foram desperdiçadas por pessoas que buscavam suas escondidas ‘clavis’, nome em latim que derivou daquele novo uso do ‘clavus’ prego.

Do latim chegamos à portuguesa chave, que mudou de nome, mas não de costume.

Edward Alfred já estava cansado de ouvir sua mulher gritar histérica aquela pergunta “cadê a chave” sempre que estava atrasada para o trabalho. Incrível como elas, as chaves, escolhem esses momentos de pressa para sumir.

Ela sempre o acusava de haver colocado o objeto em algum lugar do qual não se lembrava mais. Ele, por sua parte, sustentava a tese: “As chaves se escondem, meu bem”, dizia, tímido, mas convicto.

Aí ela virava uma arara com a ingenuidade louca do marido. Deu em separação, o primeiro caso de divórcio registrado por esse motivo naquela cidadezinha a 154 km de Austin.

Alfred, carpinteiro que era nas horas vagas, inventou o porta-chaves e deu o primeiro exemplar de presente à sua ex-mulher, que o perdoou e voltou para casa.

Se o Império Romano tivesse o artefato, várias mortes de mordomo haviam sido evitadas.

A mulher daquele inventor sobre o qual nunca se falou muito na história, tinha chaves realmente travessas e elas continuavam desaparecendo, vez ou outra. Alfred dizia que elas pulavam do porta-chaves.

Vai saber.

Por isso que eu uso cadeado para prendê-las. Mas às vezes ela, que abre o cadeado, se esconde. Sorte que não tenho mordomo.

*Vítor Rocha escreve aos sábados