a Breno Fernandes e João Vinícius

A maioria dos meus amigos está em uma faixa etária de juventude, pertence à classe média e é universitária. Investe ainda muito mais do que recebe, promete-se o que talvez não consiga cumprir e teme germinar o fantasma futuro do que poderia ter sido e não aconteceu. A maioria dos meus amigos passou a época de se tornarem gênios espontâneos e concede para menos o que antes deslumbrava. A maioria dos meus amigos ainda não consolidou o espaço público, não para de afligir-se com as pequenas vilezas e muito mais por cometê-las. A maioria dos meus amigos balança na travessia nova entre o masculino e o feminino, tenta entre sombras inventar uma razão posterior às formas de autoridade e ser livre e disciplinado a um só instante, brasileiro e cosmopolita em outro. A maioria dos meus amigos está sem tempo para serem meus amigos, assim como eu para eles. E o que a maioria dos meus amigos e eu parecemos sentenciar, eis a única tragédia deste parágrafo, é que o problema inteiro possa ser tão-somente de cada um de nós.

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A maioria dos meus amigos está em uma faixa etária de juventude e ainda assim é mais velha que a democracia da qual faz parte. Sente que há nos pés matanças incalculáveis, e dois braços em que um é a casa-grande e o outro é a senzala, de onde se murmura um conselho antigo a não permitir que a mão direita veja o que a mão esquerda faz. A maioria dos meus amigos tem uma cabeça em que batalham atavismos de eras com modernismos de ontem e acha que isto é um problema pessoal e psicológico. A maioria dos meus amigos mora no estado mais violento do país, de uma região implicitamente rejeitada, cujo benefício de ter um plano de saúde e ser herdeiro de uma educação estruturada é ambíguo qual uma culpa, retirada apenas com cinismo ou com empenho. A maioria dos meus amigos passa horas em serviços ou trânsito, mas não deve reclamar muito, ou entredentes, por reconhecer que de todos os males a dele ainda é a menor. E o que a maioria dos meus amigos e eu já conversamos, eis a esperança maior deste parágrafo, é que o problema se faz e se reforma em cada um de nós.

Saulo Dourado escreve quinzenalmente às segundas-feiras