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Há quinze anos a patota se reúne no bar pelo menos uma vez por mês. Começamos com dezesseis anos, graças às barbas precocemente hirsutas de dois ou três integrantes, as quais nos impediam de ser expulsos do estabelecimento, proibido para menores de idade depois das nove, ou, pior, de passar a noite tomando refrigerante em vez de álcool. Bebíamos vodca, campari, cerveja. E falávamos de mulheres quase o tempo inteiro.

Ouvíamos as peripécias sexuais de cada um com atenção maior do que aquela que os membros de terapia de grupo têm para com quem discursa. O insólito é que todos éramos virgens. Ainda assim, nunca houve quem duvidasse da veracidade completa do que o outro contava, exceto em relação a pontos específicos de desempenho, como quando Joca disse que conseguira dar quatro sem tirar. Colhudeiro da porra!, disse-lhe eu. Três até vão, mas quatro? Co. Lhu. Da. Era essa a crítica máxima. Nada de questionar a ousadia que Glauber teve em transar com a prima do Rio atrás de um fliperama do Playland do Iguatemi. Nem de interpelar Rodrigo sobre como ele podia manter o affair vespertino frequente com a vizinha quarentona e casada, uma vez que o filho dela, que todos conhecíamos, estudava de manhã, e por isso devia passar as tardes em casa. Havia um acordo tácito que nos impunha o respeito às fantasias dos amigos. A aquiescência às histórias alheias (sempre envolvendo desconhecidas, sempre sem testemunhas) era o preço a se pagar pela chance de sonhar em voz alta com relacionamentos que você duvidava que fosse ter algum vez.

Entranto nossa vez chegaria. Com vinte e poucos anos, universitários, o dinheiro do estágio no bolso e, em alguns casos, um carro próprio ou emprestado para o fim de semana, as histórias compartilhadas no bar passaram a ser verdadeiras. Quiçá não cem por cento verídicas — eu ainda desconfiava de quem dizia ter dado três sem tirar —, mas certamente carecíamos menos de nossos dotes de ficcionista. A prova maior de êxito consistia na aparição de enredos que, embora conhecidos da literatura e da filmografia erótico-pornô, jamais haviam sido utilizados nas conversas adolescentes, por causa do quê de especial que tinham. O fim de semana sem roupas. O sexo oral enquanto se dirige. E, acima de todos, o ménage. Aquilo — aquilo, meu amigo, não era tema para invencionices; o homem que blefa ter feito ménage é nada mais que um crápula. Cretino-mor. Cuidado com o que conta na mesa do bar. Sabíamos disso tudo, de maneira que posso legitimar aquelas segredanças. Houve vezes em que a própria coautora de uma dessas façanhas lhe dera fé. Sim, por essa época, a mesa começou a se ampliar por causa das namoradas. Falávamos muito de viagens e de futuro, quando não falávamos de sexo. Bebíamos tequila, caipirinha, cerveja.

Quinze anos. Agora estamos todos trintenários. Bebemos uísque, vinho, cerveja. Poucas foram as moças que permaneceram conosco desde os tempos de faculdade, e mesmo essas não aparecem constantemente. Gostamos de estar entre nós apenas. Podemos falar sem vexações de nossas preocupações financeiras, das carecas crescentes, de triglicérides e de níveis de colesterol LDL. E, claro, de mulheres; sem precisar ora contar vantagens, narrar peripécias, gabar-nos de fanfarronices. Muito pelo contrário. Agora, compartilhamos também as brochadas, os maus desempenhos, as idiossincrasias performáticas de cada um, entre risos de graça e de identificação. Rodrigo contou outro dia que, se não tiver uma garrafa de água ao lado, da qual beberica entre um bloco e outro, a coisa desanda. Glauber, que anda tomando antidepressivos, está muito contente com a anorgasmia temporária que a medicação lhe causou, já que sempre esteve mais pro lado dos precoces que pro dos tântricos. E Joca — ah, ninguém esperava pelo que veio dele:

— Parece mentira, mas eu já transei mais do que beijei nessa vida.

— Como assim, cara? — quis saber Glauber. — Você não gosta de beijar?

— Não é bem isso — ele se remexeu na cadeira. — Não sei o que é. Eu tento. Mas muitas mulheres não querem. Tirando namoradas, devo ter beijado duas ou três entre todas as mulheres com que já fiquei. E nem foram beijos longos. Elas partem logo pro sexo. Mesmo aquelas com quem fico mais de uma vez hesitam em me beijar.

— Na moral, você deve ser muito ruim de beijo — falou Glauber.

— Ou então muito bom de sexo — contemporizou Rodrigo. — Do tipo que deixa o mulherio em chamas.

Rimos, compacedidos.

— Pode ser — retrucou Joca. — No começo eu ficava grilado, achava que tinha bafo ou outro problema qualquer. Fui a médicos, Boston Medical Group e o escambau. Nada. Fiz exames, e nada. Também já falei disso na análise, mas não adiantou muito. Agora, eu já me acostumei, então tá tudo bem — concluiu, embora a maneira como baixara o rosto tenha denunciado que não devia estar tudo bem.

Tapinhas no ombro, olhos nas janelas. O silêncio se aproximou da mesa. Era preciso evitar que se sentasse conosco.

— Mudando de assunto — tomei a dianteira —, aquela história de dar três sem tirar é verdade mesmo?

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Breno Fernandes escreve às terças

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