Era uma multidão pronta para o EMBATE. Marcharam por cerca de 500 metros, ritmo lento, compassado, sol a pino. Tal qual o exército israelita, marchariam por seis dias, se preciso fosse, ao redor da cidade sitiada. No lugar de elmos, imitações baratas de chapéus panamá. Ao invés de espadas, canecas personalizadas. Não havia trombetas, mas sim cavaco, banjo, surdo, pandeiro e reco-reco. A espera era ansiosa, alvoraçada, inquieta. Eis que surge ele – o grande MITO – trajado com uma camisa REGATA de motivos INDIANOS [?], ergue a mão esquerda –  enquanto empunha o microfone com a outra –  e solta o brado que inflama a turba e dá início a uma BALBÚRDIA que derrubaria não apenas as MURALHAS DE JERICÓ, mas os JARDINS SUSPENSOS DA BABILÔNIA, o COLOSSO DE RODES ou qualquer outra construção MÍSTICA que se opusesse à alegria prestes a invadir aquele trecho de terra lendário, naquele momento emblemático:

– TCHU TCDHU TCDHU TCHU PÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ

Tal ONAMOTOPEIA já denuncia o VULTO ao qual me refiro. Sim, ele mesmo, o ORDINÁRIO-MOR e toda a sua pança, seu bigode ralo, seu cabelo GOMALIZADO. A figura que melhor sintetiza o ETHOS da BAIANIDADE CONTEMPORÂNEA, o ELO PERDIDO entre CHOCOLATE DA BAHIA e JAY-Z: Cumpadí Uóshto, o homem capaz de SINCRETIZAR em sua obra as contribuições mais diversas, FLANANDO do samba duro à sociologia, do duplo sentido ao NON-SENSE histórico-geográfico. É o Califa de olho no decote da piriguete, é mistura de Brasil, Havaí, Pirajá e Egito. E uma verdade: Tem que ter CHARME para dançar BONITO.

O evento que proporcionou momento tão sublime não poderia ser mais adequado: A LAVAGEM DE LABATUT – a mais tradicional festa de largo HISTÓRICO-PROFANA desta terra de tantas lutas inglórias – comemorada sempre no segundo fim de semana de julho, para rememorar a importância do bairro que carrega o nome da batalha onde Madeira [lá ele] de Melo foi FRAGOROSAMENTE derrotado pelo ORDINÁRIO francês que dá nome à PANTOMINA.

O FRISSON em torno da figura do Cumpadí, mais que justificada, é plausível e recompensatória. Não há ninguém neste torrão lambuzado de dendê que não deva INEFÁVEIS contribuições de caráter [ou falta de] à discografia do Grupo Gera, Gerasamba, É o Tchan, É o Tchan do Brasil. Quebradeira nas tardes de domingo no Clube Espanhol, trilha sonora de aniversários e churrascos, competições para passar embaixo da cordinha ou na pegada do bambolê – RODA RODA E AVISA QUEM REMEXE DESLIZA NO BAMBOLEAR – mais que um pedaço, às vezes constrangedor, de nossa mocidade, foram a afirmação de uma identidade [um pouco forçada, um tanto exagerada, mas não totalmente fake] malemolente e lúdica do baiano.

Não é coincidência que o sucesso só sorriu para o Cumpadí quando ele esteve dividindo o palco com Beto Jamaica. Este sim, um autêntico puxador de trio, artigo raro numa indústria que se rendeu à plastificação estética em detrimento do gogó a da algazarra animada. Neste quesito, Uóshto elevou à enésima potência a importância da segunda voz: Suas frases de efeito, tiradas, chistes e gargarejos indecifráveis são o contraponto perfeito à potência vocal do parceiro. Onde muitos enxergam EMBUSTE, eu vejo humildade e GRACEJO com a própria limitação. Não é fácil subir num trio sem cantar porra nenhuma.

Grande parte da moderna mitologia musical baiana foi versada por UÓSHTO e BETO. Simidão, Maria Gasolina, Thaco, Tomás do Sul, e toda aquela RENCA de personagens ordinários que apenas Joy – A MORENA MAIS FRAJOLA DA BAHIA – seria capaz de cantar e coreografar, da Brincadeira da Tomada à Dança do Põe-Põe – passando pelo DISQUE TCHAN  e PAQUEREI – numa tarde de Chuleta’s Bar. Gererê, gererê, gererê. Mexe, mexe, MAINHA.

Por isso que o ARRASTÃO – atenção, o significado aqui não é aquele marginalmente mistificado na TV, e sim bloco de samba sem cordas – puxado pelos COMPADRES [projeto paralelo, um TCHAN sem GOSTOSIFICAÇÃO] domingo último, teve significado tão importante para uma comunidade acostumada ao desprezo das autoridades oficiais. A festa foi bonita pá, sem CAMAROTIZAÇÃO, todo mundo na rua, acompanhando a GEOGRAFIA PIRAJAENSE, atravessando o vale por onde fugiram 200 anos atrás os portugueses, amedontrados após o toque de avançar do CORNETEIRO LOPES.

Queria poder esmiuçar mais detalhes, como a sequência do repertório infatigável, porém quando o bloco apontou na reta final, ladeado pelos muros da PERDIGÃO e da garagem da SÃO PEDRO, tive a sensação que era um dos soldados espartanos encurralados no ESTREITO DAS TERMÓPILAS, sem espaço para recuo ou manobra. Foi quando FABETE BOCA DE MOTOR, tal qual ELFIATES surgiu no alto do mini-trio, mas ao contrário do episódio grego, não houve traição ou emboscada, apenas um discurso pela igualdade de opção sexual e exaltação à pacificidade do evento, acompanhado por crianças e idosos.

Neste momento os EFLÚVIOS ETÍLICOS já dominavam minha consciência, e de repente, estava cercado por damas de feições angelicais e cabelos encaracolados, tocando HARPAS SINCOPADAS em ARROCHA CAROBENSE enquanto entoavam ‘bom dia meu bebê, te amo meu bebê’.

Restaram-me então, além das doces e vagas memórias, a certeza que poucos entenderam e traduziram a Bahia –  e por extensão o Brasil –  como Cumpadí Uóshto, nem mesmo [inclua aqui um pensador de sua preferência]. Pois se há uma frase que sintetiza toda a história e as relações de poder da Pindorama, certamente é esta:

“Enquanto Cabral SAMBA, Pero Vaz CAMINHA”

EU GOSTCHO MUNTCHO.

 Alex Rolim devaneia às quintas