Avatar subia a ladeira, a caminho da casa de Gajo, torcendo pra que ninguém lá tivesse visto o Bocão ou o Na Mira daquele dia, do contrário todos estariam a par do vexame que fora seu arrastão no bar da Pituba. Câmera de segurança é paparazzo de bandido, é foda: se o cara se sai bem, então massa, todo mundo aplaude; se o cara dá bobeira, contudo, como foi o caso dele na noite anterior, quando inventou de pedir ajuda pro retardado do Maninho, que deixou de fazer a limpa em metade das mesas e deu-lhe ainda uma coronhada num empresário irmão de vereador — aí, man, é respirar fundo, contar até dez e aguentar a resenha, rezando pra não pegar chaça de incompetente e, por isso, ser desconvidado dos melhores esquemas da galera.

A afoiteza na hora do vamos ver não era do seu feitio, gostava de tudo planejadinho, mas o soldo das investidas anteriores já tinha ido embora com as despesas do mês, e não dava pra perder, por falta de grana pra matrícula, a vaga que, depois de longa espera, finalmente conseguira no curso de Gajo. Curso não — orquixópi. Orquixópi de pique-pote, coisa fina, vinda das Europas. Tendência.

Avatar tinha ido a uma aula experimental meses atrás, logo que Gajo, ex-Sandrinho Rabicó, recém-chegado de uma estadia de dois anos em Portugal, abrira o orquixópi. A meta da oficina, explicara Gajo, era capacitar os alunos pra se darem de boa no período da Copa, quando o número de turistas (e de polícia) transitando em Salvador iria pipocar, maximizando os lucros e diminuindo os riscos de serem pegos.

A Europa, continuara o instrutor, tem fama de ser lugar sem futuro pra bandido, mas não é bem assim, não. Acontece que a galera lá é mais na manha, em vez de chegar metendo o três-oitão na cara, chegar gritando e soltando palavrão — coisa de brasileiro, que é muito exibicionista —, a galera lá prefere bater carteira, bater bolsa. Atividade que eles chamam de pique-pote. Escreve diferente, é inglês, mas fala assim: pique-pote. Vocês acham que sabem fazer pique-pote, mas eu não tô falando de puxar a bolsa até rebentar a alça, de empurrar o cara e meter-lhe a mão nos fundilhos, não. A ideia é que ninguém se ligue no que você tá fazendo. Não tem polícia pra ver, esses manés daqui tão tudo acostumados a agir só quando ouvem, Pega ladrão!, quando tem confusão. Comigo você vai aprender até a bafar dinheiro de carteira sem tirá-la do bolso, tudo na cocó, pai. Pire aí nessa tática aplicada dentro da Fonte Nova. Pois é: e vai rolar a festa, vai rolar… Em nosso orquixópi, vamos estar tonificando o fura-bolo e o maior-de-todos, ferramentas essenciais na hora da ação. Vamos estar praticando exercícios de domínio corporal, inspirados em técnicas de teatro, pra entender como um esbarrão forte no ombro pode desviar a atenção pra parte do corpo que você quer alcançar realmente. Isso e muito mais em quarenta horas de aula, a preços módicos de…

Avatar chegou, enfim, ao puxadinho da casa da mãe de Gajo, onde este vivia e ministrava o orquixópi. A turma era grande, tinha gente de várias áreas, inclusive dois ou três traficantes cujos rostos figuravam em cartas do baralho de foragidos, lançado pela polícia. Sentaram-se em círculo, Gajo pôs um som relaxante do Harmonia pra tocar, apresentou-se e, em seguida, pediu que as pessoas ali, que conviveriam intimamente umas com as outras durante aquela semana, fizessem o mesmo. Avatar, sentado a seu lado, recebeu o olhar de ordem pra começar. Ele odiava falar em público, se não fosse pra anunciar assalto.

— B-Boa ta-tarde, m-meu nome é A-Av…

— A gente tá ligado em você, maluco! — comentou um cara. — Você é que errou de aula: aqui não é o bê-a-bá da abordagem, não. Na moral, pai, quem faz o que você fez ontem tem de voltar pra creche do crime.

A maioria da turma riu, mas não um dos homens do baralho, tipo alto, parrudo. Esse se levantou repentinamente, o dedo em riste apontado para o debochador:

— Vai parando de gracinha e deixar o colega se apresentar direito, sua misera. O rapaz é novo, e garanto que todo mundo aqui já deu mancada uma vez ou outra. A bíblia diz que nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos. Tá me entendendo? — a pergunta era retórica, uma vez que sua mão, pousada no cano da arma, por baixo da blusa, tratava de dar a resposta.

O zombeteiro afundou-se na carteira e baixou a cabeça. O silêncio era total. Gajo pigarreou e pediu a Avatar que continuasse sua apresentação. Enquanto este tentava retomar a fala, seu defensor se sentou e fez-lhe um aceno de incentivo. Em seguida, virou-se pro companheiro ao lado e murmurou:

— Odeio búlin.

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Breno Fernandes escreve às terças