Sobre Nietzsche, mal sei, e o que sei, me desculpem, é quase supérfluo – sei, por exemplo, (a fofoca de) que Lou Andreas Salomé o rejeitou, que acusam sua irmã de deturpar suas ideias a favor de um odioso antissemitismo, não ignoro o cultivo de seu bigode pré-hipster, concordo com a teoria sobre Bart Simpson ser sua reencarnação, e sei ainda que, em Ecce Homo, sua autobiografia, ele levou inacreditáveis páginas inteiras para tentar provar o porquê de ser tão sábio e tão inteligente (capítulos 02 e 03), uma prova na verdade de sua ignorância, pois fosse ele de fato inteligente, não precisaria nem de uma mísera linha pela metade para nos convencer. Mesmo sabendo tão pouco, porém, me encanto com seu pensamento sobre o tal do Eterno Retorno.
O que é o Eterno Retorno?
Nem é, na realidade, um pensamento inédito ou exclusivo de Nietzsche. Mas se o pai é quem cria, e não quem procria, temos, portanto, segundo a gloriosa Wikipédia, que o Eterno Retorno é a hipótese de que estaríamos “sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocorrem no presente e se repetirão no futuro”, uma recorrência interminável, postulada (mais ou menos) em Assim Falou Zaratustra, A Gaia Ciência, Além do Bem e do Mal, além de aparecer em fragmentos póstumos. Bem, falei em hipótese porque, fisicamente, é uma questão impossível de ser provada – embora certos usuários de ácido lisérgico até tentem. Em matemática, no entanto, ela é certeza, desde que ou o tempo ou o espaço sejam infinitos. Não se sabe se o tempo ou o espaço são infinitos, talvez nunca se saberá. Muitos cientistas preferem crer que sim, e eu os acompanho: sim, em minha opinião, somos mesmo sem fim, daí minha adesão ao Eterno Retorno. Primeiro porque não pretendo morrer e imaginar minha repetição interminável é reconfortante, mais até que a religião, pois não sou obrigado a rezar a Nietzsche. Segundo porque esta hipótese, enfim, me fez entender a lógica das novelas brasileiras.
O que é o esquema sofre-melhora-sofre-melhora-até-o-fim-dos-tempos, se não a maior aplicação prática diária deste recorrente conceito nietzschiano? Novela após novela, capítulo após capítulo, sem perceber, vemos em tela não um arranjo aleatório ditado pela audiência, e sim uma absoluta tradução do pensamento do filósofo alemão, uma relação quase de filho que se esforça para imitar o pai. Paremos de nos enganar, paremos de acusar a novela de vazio existencial. Ela é a filosofia em ação. E eis, assim, o que não podemos mais nos furtar a admitir: Nietzsche é, e sempre será, o verdadeiro patrono da novela brasileira.
Quem diria, hein?
Davi Boaventura escreve, quinzenalmente, às segundas-feiras
8 comentários
Comments feed for this article
abril 22, 2013 7:15 pm às 19:15
Hermano Gomes Fernandes
Ótimo ponto de vista.
abril 22, 2013 10:45 pm às 22:45
Davi Boaventura
Muito obrigado, Hermano.
abril 22, 2013 9:58 pm às 21:58
Maria Beatriz Barros
Tipo isso. Toda vez que penso em passar a acompanhar alguma novela tenho a inexorável sensação de deja vú que segue cada capítulo, cada cena. Desisti.
abril 22, 2013 10:45 pm às 22:45
Davi Boaventura
Má quê isso, Mabía! Espero que, depois deste texto, veja as novelas com melhores olhos!
abril 24, 2013 6:22 pm às 18:22
camila
antes de eterno retorno, pra mim, novela é o que há de mais antigo em matéria de humanidade: narrativa.
já viu qualquer narrativa nunca antes vista?
abril 24, 2013 9:05 pm às 21:05
Davi Boaventura
Aí você vai criar uma disputa para se saber qual é a atividade mais antiga do mundo…
abril 24, 2013 9:06 pm às 21:06
camila
beleza :)
abril 27, 2013 9:43 am às 9:43
Curta esse post e salve o planeta. | Social de Boteco
[…] Seja o Tio da Esquina, a vacinação da poliomelite ou a seca do nordeste, as ações publicitárias de grandes marcas que são produzidas no intuito de promover a conscientização social e ainda gerar engajamento com os usuários (e futuros, clientes) é algo que ainda iremos nos deparar bastante. Não há um marco regulatório quanto a esse tipo de ação tampouco uma receita que diz que é a melhor forma de salvar o mundo. […]