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por Davi Boaventura
A distância entre a ponte e o riacho Purgatório beirava seiscentos metros de altura e o barulho provocado pelo vento norte prenúncio de chuva mal deixava a instrutora se ouvir enquanto repassava os procedimentos de segurança ao Senhor Breno Fernandes, que, setenta e seis anos de idade, já amarrado a cordinhas coloridas e pinos de aço inoxidável, aguardava sentado, de olhos fechados, no parapeito. O velho deveria saltar o máximo à frente e a corda se esticaria inteira, tudo bem?, é provável que estalasse também, ele poderia abrir os braços, e, bem lá embaixo, no pico, ele sofreria um forte repuxo, nada fora de padrão, tudo bem?, nenhuma razão para pânico, etc., etc. e etc, a instrutora quase berrava, mas não faria diferença se não houvesse barulho de vento e as instruções pudessem ser escutadas palavra por palavra porque o que Breno Fernandes queria não era se divertir no bungee jump, o que Breno Fernandes queria era morrer em pleno voo.
Ele planejava há anos, essa morte – desde que um médico, sorrindo, orgulhoso por ter acertado o diagnóstico sem necessidade de exames, lhe informou que seu coração era frágil demais –, a morte seria uma espécie de saída honrosa: sim, sim, viveu a fama de Escritor, os últimos anos, no entanto, se tornaram planos [casamento, filhos, dono de casa, se tornou viúvo na idade certa para se tornar viúvo (ao contrário de amigos, hoje loucos para verem as esposas enfiadas no caixão)] porque, então, depois de uma existência tardia monótona, não poderia ter um fim espetaculoso? Os três filhos, claro, com medo, não o deixariam saltar, ele previu, e se questionou, um senhor prestes a ganhar seu sétimo neto com uma ideia boba assim? Tudo bem, teria que pular contra a vontade deles. Não importava, enfrentaria. E, quando morresse, na comemoração pelo seu septuagésimo sexto aniversário, deixaria o sabor amargo desejado, o mesmo sabor que lhe garantiu o sucesso literário anos antes. Não seria o senhorzinho do apartamento mil e vinte e três encontrado desacordado na banheira e que não sobreviveu no percurso ao hospital, e sim o escritor aventureiro infelizmente morto por um inesperado infarto durante um salto de bungee jump.
Contou aos filhos do salto um mês antes da data, à espera da desaprovação: ela, na verdade, nunca veio. Os filhos a-ma-ram a ideia. Ele precisava mesmo se divertir, experimentar, a avó de não sei quenzinho tinha acabado de pular de paraquedas e parecia uma criança de tão renovada. Quando seria? Um mês, ainda? Por que não ia logo na semana seguinte? […] Ele agora é quem sentia medo, e o medo virou pavor quando, depois de (mal) ouvir outra vez as instruções, abriu os olhos e, com a corda mestre amarrada à sua cintura, se viu em pé à borda da ponte. Desistiu de imediato, mas, por causa do barulho do vento, ninguém conseguiu ouvir seu desespero. Os instrutores cantaram Parabéns para Você e deram um leve empurrão em suas costas.
Davi Boaventura é o convidado especial desta terça-feira