Viver para contar é o nome de um livro de Gabriel García Márquez. Sempre penso nele quando saio para entrevistar alguém, porque de certa forma dá sentido a uma atividade que tantas vezes julgo inútil. Talvez todos nós, não só os escritores, padeçamos dessa sina.
Entre uma pauta e outra, aproveito para apreciar como o modo que cada um conta sua própria história vai mudando a depender da fase da vida. Adolescentes costumam proteger seus acontecimentos como se guardassem segredos. Suas curtas temporadas só se revelam em frases pequenininhas, conquistadas a duras penas.
No outro extremo estão os velhos, tão bons de conversa. Primeiro porque têm tempo sobrando, depois, porque suas respostas são sempre compridas. Nunca deixo de me comover com o esforço que fazem para dar a conhecer o maior número possível de detalhes, mesmo que já falhe a memória. Um sambador do Recôncavo passou tantos minutos tentando lembrar o nome dos seus primeiros boizinhos que, juro, quase chorei.
Talvez tudo isso seja só uma generalização descabida – em todas as idades há pessoas mais ou menos ressabiadas e reservadas. Talvez. Acho que quero mesmo é deixar escrito, para me curar de alguma culpa, que meu avô já surdo passava horas declamando casos repetidos de sua vida enquanto assistíamos às novelas na tevê. De vez em quando olhava pra ele e me perguntava por que continuava, se sabia que ninguém estava prestando atenção, eu muito menos. Hoje fico pensando se aquele era algum recurso ancestral de dar testemunho da própria existência. Desconfio que a maior angústia humana, entre tantas, tantas, é que sumam de vez todas as provas de que estivemos aqui.
Tatiana Mendonça escreve às sextas
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