O marido, quando o conheci, era um velho de quase 80 de fazer tremer o menino que fui. Era meu tio-avô e respondia pelo apelido de Caramuru. A mulher, Terezinha, com seus 45 anos, era uma sombra, mal se ouvia sua voz. Era esposa de segundo casamento. O homem a infernizava nos detalhes, de forma requintada, e lhe fazia exigências exóticas como ovo frito com mercúrio cromo na hora do almoço, só para depois jogar toda a comida na parede e lhe dizer nomes e perguntar que porcaria era aquela. Enfim, loucuras.

Lembro de minha mãe chocada, depois de uma visita de cortesia na qual ele a chamou em seu quarto e lhe mostrou um boneco do tamanho de um homem enforcado nas ripas do telhado. “Qualquer dia sou eu pendurado ali”. Não morreu da forma como prometera, mas de sua velhice, do seu diabetes, da sua ruindade. Foi o primeiro cadáver que vi e seu aspecto não era melhor que em vida, com os ouvidos e narinas entupidos de algodão. Da mulher, nunca soube nada além do sofrimento que devia ser viver com homem tão cruel e assustador. Imaginei que sua vida ficaria melhor.

O velho não a deixara em situação financeira ruim e ela poderia viver seus dias tranquila. Mas uma pessoa que sofreu o diabo merecia mais, e algum deus em sua sabedoria e gosto por teatro grego lhe ofereceu a oportunidade de ganhar um carro importado em uma promoção do programa da Hebe. Terezinha foi ao palco e a cidade parou para vê-la radiando uma  felicidade nova, sem uso. Vestia um longo preto com alças de strass, cabelo preso em coque e maquiagem possivelmente feita pelo maquiador do SBT. Hebe elogiou o seu vestido, que não era da produção, e lhe pediu que na volta para casa desse um beijo em Dona Canô, que, naturalmente, é vizinha de todo mundo na Bahia.

Mas Terezinha arranjou um novo amor, um homem da sua idade. Vendeu seu carro novo e comprou um sítio perto da cidade. Passou a escritura do bem recém adquirido no nome do sujeito. Em breve ele a deixou, levando consigo parte do que era dela, porque os deuses, em sua inconstância, não se compadecem de quem não foi treinado para as malícias da vida.

 Pedro Fernandes escreve às quintas, durante as férias de Camilla Costa