Quando não havia o e-mail, os que cultivam algum romantismo costumam dizer que as pessoas escreviam cartas.
Mas não é, verifica-se, o caso de uma substituição: as cartas diminuíram, mas os e-mails não avançaram sobre seu território.
Talvez a facilidade tenha levado à banalidade. Poder mover objetos a partir de próteses ligadas ao cérebro, além da invenção da capa da invisibilidade, fascina, mas não mais espanta. Tudo o que nasce conosco, em nossa era, ao que parece, já é absorvido como natural.
Mas talvez não seja a passagem da praticidade para a banalidade enfraqueceu essa potencialidade do e-mail, a de substituir as cartas.
Talvez seja um outro sintoma: o da mudança do lugar da escrita nas nossas relações.
Parece-me que escrever é a melhor forma de pensar. Por dois motivos: armazenamento praticamente inesgotável de idéias (antes da internet) e invencível possibilidade de articulação das mesmas (o limite é a língua ou o próprio pensamento).
Pensamos por imagens, e escrever essas imagens é fixá-las, debelar seu poder fugidio.
Escrever serve também para sentimentos, mas requer criação (sentimos sem pensar, então já não há imagem modelo, é preciso adivinhar os contornos certos para esse conteúdo).
Pensamento e sentimento: não basta para nos definirmos?
Escrever, assim, é um meio de projetar nossa essência, codificá-la, torná-la legível. Legível pelo outro.
O porquê de esse meio ter se tornado um tanto obsoleto ainda me é um mistério. Mas acho que tem menos a ver com falta de tempo e de vontade do que com o tipo de uso da escrita que é massivo hoje: publicitário, econômico e financeiro, informático, ultracodificado. Uso que a transforma em par da imagem (sem compartilhar de seus recursos).
Talvez as pessoas já não se identifiquem com a escrita – talvez ela já não as represente. Talvez sirva apenas para coisas que vivem fora delas.
Diego Damasceno escreve às terças e excepcionalmente neste domingo. Ricardo Sangiovanni, titular dos domingos, vitimado por um par de caipirinhas batizadas, retorna na próxima terça-feira
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