Hoje empresto meu espaço aqui no Purgatório para Breno Fernandes, escritor consagrado.

Para Marcelino Freire, que a acaba de lançar novo livro, Amar é Crime

Meu filho? Meu filho é doutor, meu filho. Sim, senhor, tem canudo e tudo o mais: anel, jaleco, os direitos do médico. Desde que entrou pra faculdade – aquela que precisa de três anos de cursinho, de banca pro cursinho, de banca pra banca do cursinho. E eu banco! Quem não pode vai atrás de cota, mas depois não reclame se virar motivo de chacota, piada no Português. Onde já se viu deixar passar no vestibular quem mal e mal arranha o inglês? Como é que vai ler os artigos da Science, vai saber falar Parkinson, Huntington, Asperger, Alzheimer, Cushing e o escambau? Não vou aqui ser cara de pau e dizer que apoio. Medicina exige esforço, demanda disciplina, estudo em tempo integral; coisa que pobre não tem, não me leve a mal; falo é de tempo livre. Caridade melhor seria mandar o dinheiro da cota pro Irmã Dulce. Que nos socorra! Já viu quanto paga um plano de saúde? Haja saúde! Meu filho dá até três plantões seguidos, atende aqui, atende em Feira, de segunda a sexta-feira, viaja no Peugeot que eu dei. Chega o fim de semana e às vezes nem descansa. No dia do acidente, ele ligou: “Meu pai, hoje eu ia andar de lancha, mas pintou uma emergência, trabalhei mais que dobrado, eu que nem sou graduado. Cheguei tarde à casa dela, vi um copo de bebida, ela disse, Foi uma amiga, mas fiquei desconfiado. Não tinha batom.” Vai dizer que você não desconfiaria? Ah, meu filho… O cara tem todo o direito, principalmente se é rapaz bom, é doutor, com canudo e tudo o mais: anel, jaleco, o status de um médico. A arma é que eu não sei onde ele arranjou. Sei que atirou num momento de estresse. Se ele é culpado? Escreva aí no seu jornal, por favor: o caso é de se ponderar. Ele não queria a morte da menina. Feito o mea culpa, não é melhor deixá-lo livre? Pense bem, quantas vidas ele ainda há de salvar pela mão da medicina?