Um ano e pouco atrás, trabalhando em um jornal, saí da redação em missão solitária e cabeçuda: assistir e resenhar um filme de Eduardo Coutinho.

Moscou tem esse nome porque documenta os ensaios do Grupo Galpão para uma montagem da peça As Três Irmãs, de Anton Tchekhov.

Que me lembre, estava sozinho no cinema.

A imagem que me ficou na cabeça foi a de uma atriz de olhos grandes. Devia ter uns 40 anos e não era bonita. Coutinho a filmou de frente e de perto, e enquanto ela dizia o texto escrito xis anos atrás, extraía dele todo o adorno do tempo. Parece que o entregava cru, e seu gesto de falar e dizer era feito de uma firmeza tão concentrada, tão intensa, que o transe que evidendemente vivia naquele instante era todo compartilhado com a plateia – que no caso era eu.

Aquela mulher tinha uma força de feiticeira.

Apesar de não dever o filme a ela, sei que foi principalmente dela que me veio a ideia, na forma de frase: Coutinho vai ao teatro em busca do homem, documenta a ficção para encontrar a verdade.

Mas como dizer isso num texto, explicar isso num jornal, reino da objetividade, da clareza e da transparência?

Crítica de cinema não é ciência exata, mas também não vale fazer egotrip.

Escrevi o texto o melhor que pude, mas ainda fiquei com a duvida: comuniquei?

É por isso que foi uma surpresa feliz encontrar um trecho de Pasolini, o cineasta italiano, num livro sobre o cinema documentário. Ele diz: “Dado que o cinema reproduz a realidade, ele acaba por reenviar ao estudo da realidade. Só que de uma maneira nova e particular, como se a realidade tivesse sido descoberta através de sua reprodução, e alguns de seus mecanismos expressivos só pudessem se revelar a partir desta nova situação de reflexo.”

Pasolini teve a coerência, a precisão e a sensibilidade para dizer, em 1966, o que eu não pude, apesar do esforço, em 2010.

Não vou ficar triste por ele ter alcançado numa canetada o que eu não consegui num texto. Vou é lhe agradecer por me poupar de convencer o mundo de que aquilo que eu vi e senti foi de verdade.

Diego Damasceno escreve às terças