Súbito a vista anuviou. Um estremecimento.
Carregava goiabas, pinhas e um anu-preto numa gaiola.
A estrada era irregular, barro batido, fazia do sapato sauna, deixava o pé sem remédio.
Pensou: se eu fosse um passarinho, eu queria ser um anu.
Abriu o peito contra a poeira que sambava na sua frente, o semblante enrugado de roça, carvão, enxada, e conseguiu sorrir com dois dentes só.
Aí esticou bem os braços, suspendeu a gaiola e cantou o canto de anu, suspirado, líder de bando.
O companheiro, preso, não sorria, nem dava sinais de que gostava da cantoria.
Eustórgio pensou: sou um anu solto e ele um anu preso.
Veio de repente o que já era repetido de dentro pra fora: vou passar pela casa de mãe. Deve ter pão, leite com nata, café de coador.
Pé depois de pé, voava no chão como anu, ele cria.
A estrada se estreitava, o sol não dava trela, o trabalho era carregar pinha, goiaba e dar atenção ao anu-preto.
Gaiola de madeira na mão direita, mão mais segura. Bocapiu na outra.
Se estrebuchou no chão – pedra maldita! – dedo do pé como uma sirene sem som, indo e voltando.
Disse umas desgraças. A gaiola de lado, o anu-preto bem em pé, sabido. Abriu uma pinha e cada caroço cuspia no chão. Ficou um amontoado. “Cor de anu”, ele pensou.
Dois minutos o corpo em riste, direção da casa de mãe.
Ninguém era muito de crer nas coisas de Eustórgio, mas não é que todos se encantavam quando o anu-preto abaixava a cabeça, feito assum-preto, e se entregava ao raspar de dedo dele?
Um dia cê ainda vai levar uma bicada das boas, Eustórgio. Era a mãe.
Tem café? Leite quente e nata? Pão? Desconversa.
A mãe chegava perto, Eustórgio meneava a cabeça, dava a nuca pra o carinho.
Sim, tem sim, meu passarinho.
Da gaiola o anu-preto se mexia, ria do que era espelho.
Carmezim escreve às quartas
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