“Dêcá esse negócio e pare de encheção coisa chata fica andando pela casa plim plom plim plom o tempo todo”, foi como ele tomou o brinquedo da filha e saiu resmungando mais baixo “torra a paciência da gente”.
Já fazia três dias que teve a maldita ideia de ler pra ela o tal do Urso que tinha música na barriga e a menina não parava de tocar o instrumentinho, se sentindo o próprio urso.
E é muito bonito ser pai, o filho aprender música e tal, mas tem horas em que não dá. Ela bem podia continuar a vida toda sendo um ursinho mesmo, um pandinha que interage com a gente, mas não sai nunca pela casa tagarelando sem sentido, nem soprando brinquedo.
E nem me faça começar a falar do brinquedo, que só pode ter sido brincadeira do avô que me inventou de trazer isso do interior, um negócio meio madeira meio metal frouxo que só faz plim plom e mais nada. E vai dizer o que? Se disser na hora da raiva que prefiro deixar a menina na frente da TV vendo Backyardigans fica feio, porque é brinquedo de madeira, é musical, lúdico e não sei o que.
Mas depois de três dias com esse negócio martelando na cabeça era preciso ignorar a cara de felicidade que a menina fazia quando acordava já pra praticar a tal da arte dela de manhã cedo. Tem que impor limites também, que a vida não é só isso.
Dava uma pena, porque ele não se lembrava de ter praticado tanto alguma coisa assim, só porque gostava. Nem é por nada, só nunca fez por muito tempo, fez um pouco e foi parando sem muita culpa. Mas também era um instrumentinho velho de brinquedo tão ruim. Nem fazia som direito e talvez nem fosse saudável. Não tinha um risco de tétano, uma coisa assim? Certeza que tinha.
E o barulho que ela fazia também nem se podia chamar de música nem quase música. A menina ia praticar o que, barulho? Barulho ela já vai aprender quando for adolescente. O pior é que o plim plom do negócio tinha aquele ritmo chato que ficava na cabeça o tempo inteiro – que talvez fosse o dela andando pela casa – e no segundo dia depois que ele tomou o brinquedo ainda ressoava.
A menina não ficou muito magoada, não. Deu um chorinho na hora, mas logo se distraiu com outras coisas, foi desenhar na parede, batucar no chão, inventar moda. Mas o barulho do troço ficou pela casa dia e noite por uma semana e numa noite se apareceu com partituras e o pandeirinho vermelho que ele teve e criou uma melodia impressionante, mas foi só sonho.
De qualquer forma, no dia seguinte depois que a menina foi para a escola, ele entreaberto no quartinho de trabalho pegou o brinquedo e tentou afinar como se lembrava. Vai que. Depois guardou de novo.
E na tarde do outro dia estava ali na pausa razoável dos afazeres e pegou um pouco pra fazer o plim plom, deveria estar sentindo falta da filha ou ficando doido mesmo, porque o barulho nem tinha parado de ecoar na casa ainda.
Aí a menina entrou quietinha no quarto e sentou no chão e ficou olhando. Ele não parou de tocar e dali a pouco ela começou a batucar as mãozinhas no chão acompanhando certinho o ritmo, depois mudou o arranjo do batuquinho – se é que tal coisa existe – de um jeito que casava perfeitamente no plim plom. Ficou engraçado, depois bonito, depois acabou.
Aí ele parou de tocar devolveu o brinquedo. O ursinho da música na barriga saiu do quarto e não torrou mais. Tem é que arrumar um número dois logo pra ver se faz uma banda, que essa menina tem futuro.
Camilla Costa escreve aos sábados.
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