Uma das mais recorrentes dificuldades destes tempos atuais, onde muitos opinam, sobre tudo e sobre todos, é justamente absorver o que cada crítica e senão pode acrescentar – ajustando ou adequando os devidos porquês – ao objeto julgado, especialmente quando se trata de arte – este conceito intangível que dialoga de forma resvaladiça com o cotidiano das pessoas.

Talvez isto explique o motivo dos artistas, operários da insalubre tarefa de emocionar e cativar nossos corações, colateralmente, tenham desenvolvido um mecanismo de proteção que quase sempre relativiza de forma negativa as verrinas que lhe são dirigidas. Se por um lado o expediente serve-lhe de proteção ao ego, por outro cria uma série de subterfúgios, nem sempre relevantes, para esconder verdades que deveriam ser encaradas. Ou o crítico é um artista frustrado, ou o público não entendeu o significado da obra, ou há um patrulhamento ideológico hostil.

À exceção da arte interativa, pouco divulgada e difundida, o que se vê são criadores e consumidores de arte em polos diametralmente opostos, com raras oportunidades de interação, especialmente pelas dificuldades técnicas de viabilizar tal ato [claro,refiro-me ao momento pós-criação].

Disto isto, fica evidente que o novo EP do iraraense José Santana Martins foge à regra e ao senso comum – algo recorrente na carreira do septuagenário e inventivo Tom Zé.

“O Tribunal do Feicebuque ou Imprensa Cantada 2”, disponível para download gratuito no site do compositor, não é, como parece, uma resposta à saraivada de críticas que o baiano recebeu por alugar sua voz para locução de uma propaganda da coca-cola na promoção da Copa do mundo de 2014.

Foi mais uma oportunidade para demonstrar a organicidade de sua obra.  Como em inúmeros momentos de sua carreira, como, por exemplo, no “Imprensa Cantada” [o disco da música do Bush], onde ele dialoga com os recortes que a mídia fez de diversos assuntos pautados à época.

Neste novo EP [embrião de um novo disco previsto para ser lançado em setembro] utiliza com maestria a ironia e sua veia satírica para relativizar o patrulhamento – ele sequer utiliza essa palavra no episódio, esse grifo é meu – que recebeu nas redes sociais por ter recebido uma boa grana de uma das marcas-símbolo do capitalismo. Após defender-se alegando necessitar de recursos para investir no seu novo disco, o que, convenhamos, pareceu simplório demais, num clique de genialidade, Tom inverteu todo o jogo.

Convocou jovens músicos a colaborar com ele nesse novo projeto [alguns, como Emicida, já tiveram participação no excelente “Lixo Lógico”, comentado aqui], garantindo agilidade necessária para preparar o EP antes do assunto “esfriar”; incluiu insights da atualidade, como a música “Papa Francisco” onde pede perdão ao sumo pontífice, recentemente elevado ao cargo; incluiu numa mesma miscelânea um jingle antigo seu do refrigerente “Taí” [que curiosamente  hoje é da coca-cola], a marchinha homônima de Joubert de Carvalho, sucesso com Carmem Miranda, outra referência utilizada no disco por ser “americanizada”, e um funk carioca, composto por um dos novos parceiros.

Mas o contra-ataque não se resumiu ao EP produzido a jato. Reverteu todo os recursos alavancados com a propaganda da coca-cola para a Filarmônica 25 de dezembro, um baluarte de música e ação social da cidade de Irará.

Irará que, novamente, será uma das protagonistas do novo disco de Tom Zé. Isso é perceptível no EP, onde sempre há versos que incluem a cidade nas músicas, e principalmente na faixa “Irará Ira-lá” onde o compositor elenca uma série de personalidades locais e pessoas que tiveram influência na sua formação. Como frisa a esposa do cantor, “Tom leva Irará consigo todo o tempo. Ele saiu de Irará, mas Irará nunca saiu dele”.

Com o dinheiro conseguido pelo EP e pelos shows, Tom Zé repõe os recursos necessários para lançar o novo disco, mantêm sua aura independente, consegue espaço na mídia para divulgar seu trabalho, agrada fãs e arrefece detratores. Usando o artifício mais peculiar dos tropicalistas: Liquefazer e deglutir o que está à sua volta, ruminando e devolvendo em forma de arte propagandeada. Elevando ao máximo o mote do novo disco:

“É a coca-cola fazendo propaganda do Tom Zé.”

E você? Ainda na dúvida entre whisky ou água de coco?

Alex Rolim escreve às quintas