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“Futebol é a mais imprescindível de todas as futilidades.”
Essa frase poderia ser de Nelson Rodrigues, o tio canalha da pátria de chuteiras. Poderia ser de Nietzsche, o bigodudo alemão, filósofo aforismático de verdades cabais. Poderia ter sido entalhada na pedra e entregue a Moisés, no Monte Sinai. Poderia ser de Tite, parte de sua frasibilidade, tão reveladora quanto o cinismo amalgamado no aperto de mão a Amarilla, no frescor garoado da noite paulistana, após a eliminação corintiana perante os Xeneizes. Suspeito que seja de Chiclete, tricolor desenganado que, entre porres e balcões, cantarola uma versão ininteligível de Solamente una Vez – mas não tenho certeza. O certo é que, e admito sem pudores, não faço a mínima idéia de quem seja o autor dessa frase.
Mas o apotegma está posto, e sua apocrifidade não o invalida. Pelo contrário. Concede-lhe ares de adágio popular, saber notório, verdade irrefragável de conhecimento público e inconteste. Como toda verdade, ela se esfrega em nossas fuças de forma reiterada, rebola no salão da vida – tal qual periguete no Bailão do Robyssão – para atrair nosso olhar, conquistar nosso apreço. É impossível ignorá-la. Em alguns dias, como a ludopédica quarta-feira de ontem, ela está tão latente que invade a nossa alma por qualquer fresta que encontre. E, admitam vocês agora, não faltam rachaduras nas carapuças que vestimos diuturnamente.
Afinal, em qual outro simulacro a não-presença ganha contornos dramáticos que lhe auferem importância substancial? Onde mais a própria antítese do espetáculo, a ausência total de público, torna-se a única resposta viável a uma situação endêmica, vexatória e insustentável? Não, não é uma ausência forçada, é uma ausência consentida, orquestrada e planejada, mas duramente dolorida. Abandonar quem você ama é renunciar ao sonho idílico da natureza humana: A completude de estar com aquele que te faz feliz.
O amor do torcedor por seu time é incondicional, insuspeitável. Mas possui tal intensidade que se torna movediço ao sabor dos resultados, irascível. O do torcedor do Bahia, não. Ele é místico, quântico. Irrefreável. Não conheço torcida mais narcisista neste mundo, retratada no hino que exalta a si mesmo antes de incentivar o time [Somos do povo o CLAMOR/ Ninguém nos vence em VIBRAÇÃO]. Torcer pelo Bahia é SER BAHÊA. O Bahia é minha PORRA [acentos e significados baianos, maestro]. A torcida possui um time e não o contrário. Sempre foi assim, e era para ser assim eternamente.
Até ontem à noite.
Ontem um time de três cores adentrou o gramado de sua antiga casa sem apoio. Entre cadeiras vazias e poucos apupos. Até as vaias eram tímidas. A vaia é a apoteose do futebol. Para vaiar a pleno pulmões é preciso muito amor, o amor que infla o orgulho e despeja impropérios. Entretanto, este time fantasma, que entrou em campo para uma torcida fantasma [curiosamente caso ÚNICO onde o público parece ter sido manipulado para MAIS], não consegue despertar sequer a mais abjeta das emoções. Este time que entrou em campo ontem, sem brios, sem fibra, era o retrato de uma diretoria que desconhece e desrespeita o maior patrimônio do clube: A força que emana das arquibancadas.
Esse time de três cores, que já foi chamado um dia de Esporte Clube Bahia, morreu um pouco ontem. No mesmo palco onde SETE torcedores seus foram vítimas da negligência pública. Há pesadelos que não sucumbem com demolições, que não podem ser removidos como escombros. Ao abdicar de seu orgulho maior – seu narcisismo travestido de apoio – em prol de mudanças no clube que ama, a torcida tricolor finalmente compreendeu o seu papel de protagonista na vida do clube.
Para ter um time à altura para voltar a torcer, é preciso abandonar este que aí está e o que ele representa.
O verdadeiro amor é muito mais cínico que o aperto de mão entre Tite e Carlos Amarilla. Há outra frase – essa eu sei que é do Tio Nelson – que vaticina: “Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de ouro.”
Tricolores da Boa Terra, uni-vos! Do nosso amor cínico nascerá um novo clube, à imagem e semelhança de sua torcida. Aí então, voltaremos a ser narcisistas. Como apenas nós sabemos ser.
Alex Rolim escreve às quintas