Anão vestido de palhaço mata oito.

Essa é a manchete de uma notícia que, não se sabe ao certo, nunca existiu. Uns dizem que foi em Zagreb, outros juram que foi no verão de 1999 e nevava, há quem comente que o anão era banguelo. Não importa. Fictícia ou real, a manchete de tão insólita, virou comunidade cultuada na internet, piada de salão que se espalha e vira referência jocosa, MEME antes do próprio termo existir.  A graça, entretanto, perde o sentido quando é possível observar que se tornou usual pincelar chamadas de matérias com verniz sensacional, para obter pura e simplesmente repercussão barata.

O corpo de um jovem negro, universitário, com sinais de violência, é encontrado abandonado em fonte de praça no centro de Salvador. A polícia durante as investigações prende os suspeitos.  Qual a manchete do jornal de maior circulação da nossa velha capital? “Sexo grupal atraiu aluno da Ufba para emboscada no Campo Grande”.  Quanta sutileza e comiseração!

Uma das minhas frustrações é a de não ter sido repórter policial. Acho inclusive, que todo jornalista deveria passar um tempo nesta editoria. É um lugar perfeito para apurar o olhar diante das mazelas do ser humano, da miserabilidade infatigável da nossa sociedade. “Tornar-se íntimo do cadáver e da morte”, como o mestre Nelson Rodrigues, que aprendeu a enxergar o óbvio nas sangrentas matérias de A Manhã.

Porém se o jornalista se propõe a simplesmente reverberar a versão policialesca, como uma caixa de ressonância da apuração oficial, preocupado apenas com uma objetividade torpe e idiotizada arraigada pelo odor de formol e pólvora das delegacias da vida, o resultado é esse desastre que lemos, e vemos, nos veículos de comunicação da Bahia. Um jornalismo que oprime e humilha a vítima, expõe e escarnece aqueles que não podem se defender.  Uma distorção funesta e uma versão caricatural da realidade das ruas.

Sim, eu já falei sobre esse jornalismo cão, nesta mesma tribuna. Peço desculpas se me repito. Até os atores, nosso famigerado Astericão*, se repetem nessa farsa que se tornou o jornalismo na Província.

Talvez envergonhado pela triste repercussão, o jornal publicou no dia posterior excelente artigo de Malu Fontes, reenquadrando de forma devida os elementos dessa tragédia. Mas a retratação, cobrada com veemência por muitos, não veio. A repórter da matéria “ganhou uns dias de folga” conforme apurou este escriba. “Banco de horas”, revelou-me via rede social. Alô DRT, que tal uma visitinha às redações soteropolitanas?

Não, a culpa não é de Mirellas e Camilas, esforçadas trabalhadoras que tentam honrar seus diplomas e fazerem o melhor em seu labor diário. A culpa se espalha degraus acima, não apenas na supervisão de editores, mas, sobretudo na formação de novos profissionais, despejados à culha em um mercado mal regulado e refém de interesses escusos.

Por ironia do destino, o jovem assassinado na manchete sórdida era estudante de uma instituição que possui “parceria” com o veículo impresso. Se esotérico eu fosse, diria que é um sinal das estrelas.  Por isso, corroboro com a atitude do professor Fernando Conceição em trazer o tema à baila, em tempos de corrida sucessória na mais antiga faculdade de jornalismo da Bahia.

E aqueles que alegam que usar o episódio como estopim para repensar os rumos da instituição, e do próprio jornalismo baiano, são uma tentativa vil de capitalizar a tragédia em benefício e interesses próprios, pergunto: Não há também a quem beneficie desvincular uma coisa da outra? No fim das contas o interesse coletivo não é meramente a construção de interesses pessoais, que se ajustam para que o bem comum, a fim de remodelar paradigmas pré-estabelecidos? Rosa Parks não defendia seu interesse próprio quando se recusou a ceder o lugar, por lei, reservado a brancos no ônibus? O ganho desencadeado a partir daí foi coletivo ou estritamente pessoal?

O jovem Itamar não deve ser catapultado a condição de mártir. É apenas mais uma triste vítima, um número para os órgãos de segurança, alguém que morreu pela intolerância abjeta do ser humano. Ele apenas queria se divertir, não estava ali, naquele instante, para lutar por causa alguma. Para que outros possam fazer o mesmo, e para que possam ser retratados com dignidade nas páginas dos jornais, é necessário repensar o nosso jornalismo e clamar por mudanças. Fechar os olhos e emudecer agora não é sinal de luto. É conformismo e covardia.

Alex Rolim escreve às quintas