Começou a reparar quando seu Zé morreu, o do mercado, e a tia comentou com tristeza ensaiada “ih, mas coitadinha de Dalva, que já estava até pensando em fazer um bolinho para comemorar o aniversário, era pra semana, acho”.

Mas talvez que só ouviu e não deu liga. Reparar mesmo foi quando o caso se repetiu com Ritinha, a vizinha, atropelada ninguém viu a hora numa rua tão sossegada que chega dava tristeza. E ela já tinha até comprado o brinco para dar de presente, que a festa ia ser logo.

Foi falar com a avó, cismada com a coincidência, e ela respondeu com aquela cara que fazia de quando queria dizer que era a mais sabida que era isso mesmo, que desde que o mundo é mundo a pessoa só morre perto de completar ano. Com Zequiel tinha sido assim, se não se lembrava (Zequiel era o vô).

Já tinha visto no jornal os anúncios das pessoas mortas e começou a visitar o tio todos os dias para fazer a pesquisa com a data do nascimento e da morte. Ele achava que a menina gostava de ouvir suas histórias de cavalos e bois, mas ela prestava pouca atenção.

Nos primeiros dias achou que podia guardar de cabeça, mas esquecia tudo antes mesmo de chegar em casa, então passou a levar uma caneta e um caderno escondidos no vestido. No primeiro mês deu cinco defuntos aniversariantes para mais de quarenta mortos espaçados; no outro aumentou para sete, depois voltou pra dois. Pensou se estava fazendo a conta errada, se devia contar era um mês antes e um depois da morte, para dar mais chance à prova científica. E aí a situação melhorou um pouquinho até que um dia saiu convencida de que era fato verdadeiro e o tio ficou foi tempo contando dos bichos para as paredes.

E agora não adiantava a mãe chamar para tomar sorvete, nem as amigas gritarem do portão para que viesse brincar, nem o pai insistir quase brigando que fosse logo comprar o pão. Se estava perto do seu aniversário, Luiza se trancava em casa sem meios de sair. O máximo que fazia era olhar da janela a rua, mas fugia logo do parapeito com medo de que chovesse e entrasse um raio.

O plano deu mais que certo, sendo incontáveis as vezes em que deixou de morrer. Só um dia, quando já estava tão velha que se perguntou se não tinha inventado o mundo, é que achou que tinha chegado sua hora. Antes de fechar mais um ano surpreendeu o povo todo andando vagarinho pela calçada. E teve vontade de ir comprar pão. Quando foi atravessar a rua, tropeçou num paralelepípedo solto e caiu batendo a cabeça. Ninguém só não entendeu por que ria.

Tatiana Mendonça escreve às sextas