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Uma rua sem saída é um pedaço fechado do mundo que pode dar angústia ou alegria ou os dois juntos.
Ninguém vai à praça que fica no final da rua sem saída. O chão está tomado pelas folhas que caem esquecidas e os bancos não têm mais apoio para as costas. O que pode ser o sinal de que um dia houve quem andasse ali. Vai ver alguma velhinha quando era menina brincava de qualquer brincadeira que se brincasse na época e de tanto sentar onde não devia acabou derrubando a madeira de cima. Ela se machucou sério e a praça virou lugar proibido. Vou pensar que foi assim.
Sei que escrevi que ninguém vai lá, mas não é totalmente verdade. Porque eu às vezes vou, quando aqui está muito desassossego. Fico lendo com o livro pra cima, deitada no banco. É um pouco desconfortável, mas me faz lembrar quando passeava de carro estirada no banco de trás, vendo da janela as nuvens em movimento. Um dia meu pai reparou e além de brigar me fez prometer que não ia mais ser desobediente, apesar de ele nunca ter dito é proibido ver as nuvens. De qualquer modo prometi e nunca mais voltei a ver o céu assim.
A praça não é descumprir a promessa, porque lá estou olhando para as letras dos livros (todos os livros são formados por milhares de letras ordenadas) e as nuvens não estão em movimento veloz (escrevi sem querer velox, consertei). Quando eu era menor, há uns quatro anos, gritava para minha mãe Estou indo para a minha praça e ela dizia Tá, não demora. Meu máximo foi permanecer lá duas horas. Toda vez que eu saía ela dizia não demora, como se a vida acontecesse em casa e eu não devesse perder tempo com a não-vida de lá fora.
Mas foi assim que um dia descobri que a praça não era só minha. Estava com insônia, deitada na cama, quando achei que seria melhor abrir mais a janela para espantar o calor. Ele estava lá sentado no banco quebrado, parecendo um corcunda. Talvez estivesse chorando. Tenho muito amor por pessoas chorando.
Com o escuro não deu direito para ver quem era. Pensei em ir lá e gritar: o que você está fazendo na minha praça?, porque apesar de não falar mais assim para a minha mãe, por achar um pouco ridículo, ainda era assim que eu sentia. Olhei para o relógio, 2:45. Ele foi embora às 3:15. Antes de chegar perto da minha janela apaguei a luz, para que ele não me visse e para poder vê-lo melhor. Era Lucas. Ele morava no prédio em frente à minha casa, não sei em que andar. Se soubesse poderia agora descrever na terceira janela, ou na quinta do lado poente.
Mas não sabia quase nada sobre ele (não comece frase com Mas). Só o nome, basicamente. E onde morava. Às vezes via quando voltava da escola no começo da tarde, mas nunca tinha realmente reparado nele. O tanto que passa no mundo sem que você repare é algo de enlouquecer. E se seus pais tivessem morrido num acidente de carro e ele vivesse sozinho com a avó? E será que por isso ele era triste?
No outro dia a gente se esbarrou, não posso ser sincera e ao mesmo tempo dizer que foi coincidência. Esperei ele estar apontando na rua para sair esbaforida de casa, contando nisso o tempo necessário para me acalmar e parecer normal. Passei segurando um livro e disse oi. Ele olhou surpreso para mim e respondeu oi. Foi basicamente esse nosso primeiro encontro intencional. Desci até a padaria, comprei umas balas de menta e voltei correndo para dar a impressão de que eu nunca tinha saído.
Naquele dia fui à praça com o mesmo livro, só para garantir que ele iria relacionar as duas coisas, mas havia a dúvida do seu apartamento não ter vista para o banco. Era uma questão de risco.
Tatiana Mendonça escreve às sextas