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Comunicólogos e outros entendidos nas artes ocultas da semiose que me corrijam (que me acudam), mas o fato é que os tentáculos de certa mofinagem molenga, gelecosa feito molusco, avançam sobre o ocidente em ritmo apressado e preocupante.
Exemplo disso são dois hits musicais do momento, os quais denotam uma forma nociva e destrutiva de atroz altruísmo. Trata-se, a rigor, de um esmaecimento dos brios individuais em prol não da subsunção ao coletivo, ao geral, ao cósmico (o que seria, é bem que se diga, bonito e desejável) e sim em louvor e glória de individualidade alheia – numa sorte alarmante de vassalagem a fulaninhos que definitivamente não merecem loa nenhuma.
Corrobora minha retórica troncha o fato de uma das músicas ser gringa – o top of parades “Someone like you”, da multi-Grammy del mundo mundial Adele, que garante tom global à minha milonga – ; e a outra, tupiniquim da gema – o sucesso “Pecado de Amor”, de Pablo, a Voz Romântica, para que não me venham dizer que não me importo com as coisas da minha terra.
Pois espanta-me não que Adele o cante, mas que faça retumbante sucesso ao declamar que “nevermind, I’ll find someone like you” (algo como “não tem nada não, vou encontrar alguém como você”, em minha tradução livre). A canção fala de uma moça que tomou um belo pé do rapaz, que agora está casado com outra. Ela, ante tal fatídica situação, em vez de ficar virada nos diabos, berra ao mundo que 1) ainda o ama (“I had hoped you’d see my face / And that you’d be reminded / That for me it isn’t over,” algo como “esperava que quando você me visse, fosse se lembrar de que para mim não acabou”) e que 2) “I wish nothing but the best for you / Don’t forget me, I beg” , ou seja “desejo o melhor para você(s), [mas] não me esqueça, eu te imploro”).
Mas será o benedito. Se tivesse vindo ao consultório sentimental de O Purgatório, essa senhorita teria era tomado logo uma chamada na chincha. Que história é essa de continuar babando quem não lhe ama mais ou já debandou de amores por outra? E pior: onde já se viu externar desejos de “tudo de bom” e dizer que “não me esqueça”, pondo-se à disposição, feito pneu reserva – usado, guardado, mas que ainda serve?
Então prestai atenção, adeletes de plantão: vamos acabar de uma vez com essa história de chorar no pé do caboclo, de ficar trancada no quarto, de entupir a pança de chocolate. É preciso permitir-se sentir raiva, deixar de lado a atitude maternal de entender, acolher e afagar quem lhe deixou, quem quer outras coisas da vida, quem lhe trocou por outra. É preciso não lhe implorar nada – ou, quando muito, ignorá-lo solenemente. É preciso, em suma, desfazer o altar, perder as esperanças, delembrar, esquecer – porque, ora pois, é quando se atribui ao que passou o rótulo de “passado” que se permite sonhar o que virá.
Agora Pablo. Pablo, meu camarado, é o seguinte: se você escorregou no amor e acabou arranjando outra enquanto ainda estava com uma, siga em frente, companheiro. Saia dessa de “Prefiro me acabar nesse vazio do que te fazer sofrer”. É louvável que você desmanche tudo com a moça e tal, mas para que essa bobagem de “me acabar nesse vazio”? Deixe disso, rapaz: pegue essa sua violinha murcha e trate de compor uma música que preste para sua nova amada. Vá viver seu novo amor, sem culpa, sem essa conversinha de “sou complicado, louco”, sem essa lenga-lenga de “não vou mais te enganar, eu não sou a pessoa que você sempre sonhou”. Até porque, se você é ou não o sonho dourado da moça, meu velho, pensar nisso é um atrevimento de sua parte – afinal, é dever da moça. Estamos entendidos?
De modo que vamos então encurtar essa prosa, que o domingo é curto.
Se é para ouvir música de corno, vamos escolher umas que tenham mais classe (“Não tenho nada pra dizer. Só o silêncio vai falar por mim. Eu sei guardar a minha dor e, apesar de tanto amor, vai ser melhor assim”).
Ou então, viremos o disco para algo mais rock’n roll (“Esqueça, se ele não te ama. Esqueça, se ele não te quer. Não chore mais, vem pra mim, vem. Não sofra, não pense, não chore mais, meu bem”).
Enfim: façamos seja lá o que for. Só não fiquemos é de nhem-nhem-nhem, de mofinagem.
Ricardo Sangiovanni escreve aos domingos