Como se estivesse na Europa. Foi assim que a diretora de uma grife francesa que deve abrir loja no Brasil resumiu os atrativos de comprar na rua Oscar Freire, em São Paulo.
É uma frase verdadeira e triste. Verdadeira por causa do condicional, “como se”: andar nas ruas de São Paulo não é igual a andar nas da Europa ocidental: aqui, infra-estrutura e segurança vêm de longa data, e ajudaram a moldar o hábito de se apropriar da cidade; no Brasil, aqueles itens praticamente não existem, e estamos cada vez mais fechados em nossos próprios cercos.
Andar, descobrir uma loja, entrar para conhecer, talvez comprar, eis um prazer maior até que o de visitar museus europeus (cheios de gente que passa rápido, só para tirar foto). Mais pelas possíveis lojas do que pelas improváveis descobertas. Já vi uma loja escocesa – do whisky ao kilt – e loja de DVDs para cinéfilos. Loja de comida italiana naturalmente perfumada e loja de quadrinhos antigos, coleções inteiras no plástico.
Leio no jornal que na Oscar Freire o que se vê cada vez mais são tapumes. Uma pena.
Uma pena porque, se mesmo em uma rua vigiada por seguranças engravatados, que fica em um dos bairros mais policiados de São Paulo, e que quase que naturalmente espanta os mais pobres pela ostentação das marcas, se mesmo num ambiente visivelmente fabricado como este, mas ainda ao ar livre, as lojas estão minguando, correndo para os shoppings, é sinal de que a rua não será mais nossa.
Perdemo-las para os postes, o lixo, os buracos na calçada, o cocô de cachorro, para o desprezo dos maus políticos. E sobretudo para a pressa, a pressa desatenta com que passamos por elas, fingindo que elas nunca nos pertenceram.
Diego Damasceno escreve às terças
2 comentários
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setembro 13, 2011 7:25 am às 7:25
Breno Fernandes (@bfernandes)
Seu texto me remeteu a este outro, que achei não sei como logo depois que voltei da Europa após morar um ano aí: http://write.fm/5y1bqn9
Não gosto mais tanto dele, mas, naquela época, eu estava realmente abismado com a possibilidade de voltar a andar nas ruas temeroso, e o texto conseguiu verbalizar esse pavor antes que eu pudesse fazê-lo — “mas pelo menos a minha fobia é de barbárie”.
Eu tive um professor na faculdade que estudava a influência da tecnologia na flanérie, mas sempre que a coisa era trazido para o Brasil, sempre me soava fajuto, forçado. O situacionismo não vingaria aqui. E isso é triste.
(Curiosamente, vim parar numa cidade em que, no atacado, não parece ser feita para andar: os caminhos feitos na marra nas gramas dos canteiros de Brasília entregam o visitante o atestado de que, no car, no far.)
Você conseguiu definir bem o modo como perdemos as ruas, sem nos isentar, a nós, cidadãos comuns. Me sinto culpado e me dói não saber o que fazer.
setembro 13, 2011 2:25 pm às 14:25
Diego
Estava mesmo conversando com Ricardo sobre o blog ter o poder de gerar conversas. Bom que você comentou.
Tive a mesma impressão de Brasilia. Alias mais do que impressão, foi uma constatação: a cidade é feita para carros. Os prédios com vãos no térreo, os recuos, tudo isso é para pedestre; mas a cidade mesmo é para carros. Quando fui tirar meu visto andei uns bons 15 minutos do setor das embaixadas até uma outra parte civilizada por canteiros como esse que você falou. Alguém que mora la me disse que foi uma aposta de Lucio Costa e Niemeyer: o futuro são os carros, pensaram.
Eu também não sei o que fazer. Espero voltar com alguma idéia. Por enquanto tento contaminar os outros escrevendo essas coisas.