Mesmo sendo uma delas, ainda não consegui entender totalmente porque as pessoas querem aprender alemão. Vou para o curso e conheço pessoas interessadas na cultura alemã, em morar na Alemanha, mas não as vejo prestar especial atenção especialmente na língua e nas suas construções.
Isso faz algum sentido, porque sejamos francos: das línguas ocidentais (as que tentei aprender, é claro) o alemão é a mais ingrata. Ele exige extrema concentração, dedicação e foco, mas demora anos para te ogar um ossinho.
Mas sejamos justos, também. Está longe de ser uma língua de gente grosseira e autoritária, como agrada dizer por aí. A língua alemã tem uma lógica interna intrincada, complexa e, quase sempre, muito bonita. Desde a formação das palavras até o fraseamento das ideias.
Por isso, sem dúvida, ela exige tanto de quem a persegue. As frases não se automatizam facilmente, precisam ser pensadas. Alemão não é língua que se fala melhor bêbado. É preciso estar lúcido para saber usá-la ao seu serviço. É uma queda de braço cansativa, às vezes, falar alemão com minha mente latina.
Tenho essa teoria de que para conseguir ver o mundo pelos olhos de quem fala outra língua é preciso prestar atenção nas palavras que você não tem na sua.
Sempre achei bonito o fato de que em algum lugar do mundo existe um povo para quem o “sentimento puro da beleza” tem um nome ou para quem o “progresso moral e intelectual” de alguém é importante a ponto de ter se transformado em um substantivo, enquanto eu preciso de quatro palavras para descrevê-lo.
Mas prestar atenção nos substantivos não é o suficiente. Os advérbios e os adjetivos também são sempre os mesmos. Se as palavras funcionam como um marca-texto do mundo, que assinala para você o que os nativos daquela língua consideram importante, são os verbos que te dão uma chave para entender o modo como eles percebem a vida.
No meu quarto ano estudando alemão, descobri que o verbo werden não é conjugado no futuro. Um Telecurso 2000 rápido aqui: o futuro em alemão usa o werden como auxiliar, como o inglês usa o will. “Ich werde finden”, por exemplo, significa “Eu vou encontrar”.
Mas o verbo werden não é só auxiliar. Sozinho, ele significa “tornar-se”. “Ich werde alt” é o famoso “Tô ficando velho”.
Werden é um verbo bonito em alemão por diversas razões. Mas essa, que acabo de descobrir, é a principal: ele não é conjugado no futuro. Você até diz que se tornou algo, passado. Mas não diz “Ich werde alguma coisa werden” (“Eu me tornarei alguma coisa”).
A frase “eu me tornarei” fica sempre no presente. Segundo minha professora, porque não é necessário conjugar no futuro um verbo cuja ideia já é de futuro.
“Tornar-se”, em alemão, é também um verbo de movimento. Como tal, ele está sempre acontecendo no momento em que você o enuncia. “Tornar-se” algo quer dizer que você um dia será esse algo, mas ainda não é. É uma mudança presente que carrega em si a ideia de futuro.
Ao contrário do werden, o verbo “ser” pode ser conjugado no futuro – “Ich werde sein” – lembrando que as mudanças não podem ser jogadas para a frente como prognóstico ou promessa. Você se torna todos os dias aquilo que um dia vai ser.
A língua alemã, essa descarada, me pegou pelo pé.
Camilla Costa escreve às quintas-feiras, mas está cobrindo Diego Damasceno,
que não se apresentou para o serviço após a festa nababesca de seu aniversário.
3 comentários
Comments feed for this article
agosto 30, 2011 9:13 am às 9:13
sonia
Adorei o texto!
Eu sou apaixonada por idiomas. Essa menina escreve muito bem mesmo..
agosto 30, 2011 5:37 pm às 17:37
Sebi Gross
Gostei do texto! Sou alemao e aprendi o português e um pouco de malandragem – sobretudo com pessoas que sao escritores nesse blog.
Eu também tenho dificuldades de falar alemao bêbado. Queria acrescentar alguns palavras estranhas da língua alema. Por exemplo a palavra “Habseligkeit” – já difícil de ler. O significado de “Habseligkeit” é “um posse pequeno”, “haver pequeno”. Imagine uma pessoa pobre que posse um lápiz, uma panela e as calcas. (Exemplo absurdo, admito). Sao coisas do uso diário, que se precisa todos os dias. Normalemente, ninguém ia roubar essas coisas da pessoa. Aliás, a “Habseligkeit” junta secularidade e religiao: “Hab” vem de “haben” que signifique “ter”, “possuir”. É “seligkeit” vem de “Seele” – a alma. “Seligkeit” seria “a almazidade” se existir. Palavra por palavra a “Habseligkeit” seria “a almazidade de posse” ou “a almacao de haver”. Muito estranho, eu sei. Mas imagine um pessoa pobre, só com lápiz, panela e calcas…
agosto 30, 2011 7:28 pm às 19:28
Camilla Costa
A alma é uma das grandes pequenas coisas que ninguém rouba! Adorei, Sebastian! Hahahaha. Quando você aparece aqui?
Sonia, obrigada! =)