A tomada é aérea. A câmera vai se aproximando lentamente em direção ao personagem, que está sentado na escada do jardim de uma casa ao lado de dois cachorros.
Reconheço de pronto a locação e os bichos. A cena é rodada na casa onde passei minha infância e adolescência, onde fui leve e feliz. Aqueles cães foram meus companheiros durante anos e, como aquela casa, já não existem mais.
Quando a imagem fecha no rosto do ator, o que eu já deduzira se torna uma certeza: aquele sentado na escada sou eu.
A cena seguinte é dentro da casa, na sala, que está repleta de gente. Começo a reconhecer as pessoas. São familiares e amigos meus. Alguns eu não vejo há anos, muitos não se conhecem e nunca estiveram naquela casa. Eles conversam, riem e parecem se divertir naquele encontro. Mas por que estão ali?, me pergunto.
Embora o caixão não apareça nenhuma vez, percebo que se trata de um velório, o meu.
O plano volta para o lado de fora, onde o personagem continua sentado na escada a brincar com os cães, mas agora ele (ou seja, eu), se deita na grama e deixa os bichos o lamberem – estou feliz e, por isso, choro.
A câmera vai se afastando, subindo, até que a casa se torna só mais uma no meio das tantas outras da cidade.
Eu acordo meio assustado, com o rosto molhado das lágrimas e custo um pouco a processar todo aquele filme. Nunca havia sonhado com a minha morte, mas esteve longe de ser um pesadelo. Eu estava tranquilo, feliz de voltar à casa, de ter as pessoas queridas por perto e de rever os cães.
Ricardo Viel escreve às segundas
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