Amém que aqui estou livre para ser imprecisa. Então posso contar, muito displicentemente, uma cena de Diários de Motocicleta em que o personagem de Gael Garcia Bernal diz, admirando o esplendor de Machu Picchu em contraponto às nossas prosaicas cidades: “Como nós passamos disto para isso?”

Foi assim mesmo que fiquei quando terminei de ler Realidade Revista (Realejo Livros), que reúne as melhores reportagens da mítica publicação (em especial as dos jornalistas José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro). Como a imprensa brasileira empobreceu tanto, em tão pouco tempo?

Já tinha ligo algo analítico sobre a revista – criada em abril de 1966 – para um trabalho da faculdade, mas não tinha ainda apreciado seus textos. São tão pulsantes que dão a impressão de que o leitor está acompanhando o repórter enquanto ele passeia pelos “rincões” do Brasil ou investiga o preconceito que sofrem as mulheres “desquitadas”. E não pense que faz isso como celebridade ou gente importante, do jeito que hoje muito se vê. Está ali porque precisa ver de bem perto para contar da melhor forma.

Sempre se diz que Realidade copiou, ou melhor, se ‘inspirou’ no New Journalism americano. Esqueça essa injustiça. O que se fazia ali era muito nosso. A pena é que não o tenhamos levado adiante, tendo a burocracia comprovadamente vencido nas mais variadas instâncias, com raras exceções. O especialista que o diga.

Uma década depois de fundada, Realidade foi extinta. Em seu lugar, a Abril passou a investir num guia de televisão. Era o prenúncio dos novos tempos. Mas se jornalismo tem alguma missão, na fase áurea da revista ela foi cumprida. Suas páginas mostravam com encantamento a vastidão de vidas possíveis. E tudo isso numa narrativa leve e despretensiosa. Hoje quando paro para escrever e me lembro das matérias de Realidade,  rogo, buscando inspiração: que seja simples, que seja simples.

*Tatiana Mendonça escreve às sextas