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Tem dias que uma simples compra nos faz feliz. Feliz de nos fazer caminhar na rua com um sorriso interno gratuito e intenso, de caminhar como se planasse no ar sem tocar o chão, como se cantasse mesmo calado.

E assim estava um casal de argentinos, contente pelo simples fato de haver comprado, depois de muito tempo fora de casa, uma garrafa de ferné.

O ferné é a cachaça dos hermanos, tem gosto de pasta de dente com coca-cola (desde pequeno, sempre quis comer pasta de dente) e é feito de ervas e flores.

Os dois caminhavam assim voando em uma avenida de Madri e iam atravessar uma pequena rua transversal quando uma Ferrari alaranjada pára em cima da faixa de pedestres.

Como os argentinos são os italianos do sul e logo se acostumam com a ordem e o progresso, se sentiram molestados pelo fato de o camarada dono do carrão não respeitar o direito sagrado dos que andam. E tinham toda a razão – não me venha falar mal dos argentinos, que você não é Galvão Bueno.

O argentino então mescla seu sentimento de raiva pelo motorista com o encanto pelo carrão.

– É uma Ferrari!, diz com os olhos arregalados e voltados para a companheira.

Ela, portenha de nascimento e de presença, dá de ombros:

– Grandes merdas…

Estimulado pela reação feminina, o camarada resolve tirar um sarro com o carrão e passa a sacola de supermercado chinês, dessas bem fininhas, prestes a romper-se com ferné e tudo, tirando tinta do capô. E desfila na mais irritante calma que já se viu na Espanha e em Portugal juntos.

O condutor mirava a cabeça do pedestre com se fora o alvo de um míssil de curta distância e o argentino o devolvia a olhada assassina numa reação dessas de cachorro pincher contra pitbull.

– É Cristiano Ronaldo, surpreende-se ele, para arrancar a reação da companheira:

– Grandes merdas, sujeito asqueroso, e vira a cara cheia de desdém.

O sinal abre e esse jogador de futebol acostumado a tietagens de toda ordem, a tapetes vermelhos e autógrafos, não concebe a indiferença dos pobres pedestres: rompe seu cavalinho amarelo com toda velocidade, depois de ouvir em bom argentinazo, traduzido para baianasso:

– Quebre meu ferné, seu sacana, que te mato!!!

*Há outras versões da mesma história, inclusive a do flaco. A outra é de um certo jornal esportivo, que publicou o conto ao gosto do craque de sobrancelha feita. Assim é o “jornalismo” do lado de cá, papá.

*Vitor Rocha escreve aos sábados

 


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