É notório que a República Federativa do Purgatório enfrenta sua mais aguda crise política dos últimos anos. Os protestos nas ruas indicam, entre outras coisas, a necessidade de reforma do sistema político – reforma esta que, no entender de nosso partido, deve começar pelo sistema eleitoral, que é onde o Estado desgraçadamente legitima o clientelismo entre a classe política e a classe empresarial. De maneira que eu, deputado purgatoral Ricardo Sangiovanni, aproveito o ensejo para (como bom político) ressuscitar um antigo projeto de lei de minha autoria, proposto aqui, nesta tribuna, no ano passado, acrescido agora de alguns itens. E exorto todos os cidadãos purgatorenses a enviar sugestões que nos permitam amadurecê-lo e robustecê-lo – e rápido, cambada, para dar tempo de valer já nas eleições de 2014.

É chato, mas é bom ler com atenção, se não acaba passando como está, e depois só lhes restará chorar no pé do caboclo.

PROJETO DE LEI 01/2012

Institui a Nova Legislação Eleitoral da República Federativa do Purgatório e dá outras providências.

(SUBSTITUTIVO 01/2013 – dá nova redação e acrescenta novos dispositivos ao projeto de lei)

Capítulo I

DO VOTO

Art. 1o. DA NÃO-OBRIGATORIEDADE DE SUFRAGAR

Nenhum cidadão será obrigado a votar. Menos por respeito ao direito inviolável à não manifestação da vontade de eleger (para tal, já há o voto nulo); mais por residir na obrigatoriedade do voto a origem de uma miríade de outros vícios. Afinal, é a obrigação de votar que constitui demanda de consumo garantida à mercadoria “candidato”. O voto obrigatório transforma “candidato” em item obrigatório da cesta básica eleitoral do cidadão. Como, por exemplo, é o sabão: quem, rico ou pobre, pode deixar de comprar sabão? O mesmo ocorre com o candidato, quando do voto obrigatório: quem, rico ou pobre, pode deixar de votar? De maneira que publicidade de candidato, como a de sabão, não tem a tarefa de convencer seu público-alvo da imprescindibilidade do produto que deseja vender (o que é a parte mais difícil), senão apenas a de convencê-lo de qual, entre as opções disponíveis do produto, o eleitor/consumidor irá levar. Ao contrário, o voto facultativo faz com que o leitor passe da pergunta “que candidato levar?” à mais sofisticada “será que vou levar algum candidato?” E então a tarefa da publicidade – e, por conseguinte, de toda campanha eleitoral – passa a ser, primeiro, convencer o eleitor a se dignar a sair de casa para ir votar.

CAPÍTULO II

DO FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS 

Art. 1o. Será misto, composto de recursos públicos e privados, de acordo com a seguinte divisão:

a. os recursos públicos corresponderão a 30% do gasto eleitoral de cada candidato, sendo assegurado financiamento a todos aqueles que se candidatarem. Para os candidatos a cargos majoritários, será estabelecido um teto em valor não superior a R$ 20 mil por mês para despesas de campanha. Candidatos aos cargos minoritários terão direito a um salário mínimo por mês, pelos 4 meses que antecedem a data da eleição – e nenhum centavo a mais – para esta mesma sorte de custeio.

b. recursos privados poderão corresponder a, no máximo, 70% do custeio da campanha – de maneira que o financiamento privado não chegue a duas vezes e meia o valor do recurso público. Ou seja: se conseguir arrecadar o máximo possível, um candidato a cargo majoritário gastará, no máximo, R$ 150 mil/ mês; e um minoritário, não mais do que 3,4 salários mínimos/ mês. E dêem-se por satisfeitos, que dinheiro não tá dando em árvore.

c. o candidato poderá acrescer recursos próprios à campanha, no valor máximo de 10% da soma do valor arrecadado pelas vias pública e privada.

§ 1º – o teto para qualquer doação a campanha eleitoral, seja ela de pessoa física ou jurídica, será de 1 salário mínimo por doador a cada candidato. À doação deve ser anexada uma carta de exposição de motivos da doação (iniciada pelos dizeres “Resolvi(emos) dar dinheiro ao candidato [FULANO DE TAL] porque…), com cópia protocolada no Tribunal Eleitoral do Purgatório. Textos só para enrolar não serão aceitos – terão de ser refeitos para que a doação seja validada.

§ 2º – a marca da empresa doadora e/ou o nome do doador pessoa física deverá aparecer em todo o material de campanha do candidato que recebe a doação.

§ 3º – todo o material de campanha será numerado, confeccionado apenas em gráficas, estúdios fotográficos, produtoras de vídeo etc. credenciadas pelo Tribunais Regionais Eleitorais. O credenciamento desses estabelecimentos é livre, irrestrito e gratuito.

Art. 2o. – Candidato: evite o caixa-dois. A lei está jogando limpo com você, então jogue limpo com a lei, porque afinal o primeiro passo para que qualquer legislação funcione é a disposição da maioria dos cidadãos a cumpri-la – afinal, não há legislação imune a burlas, todos nós sabemos. Então, deixe de demagogia, de hipocrisia, de sacanagem, e seja o primeiro a cumprir essa zorra. Quem fizer caixa dois será irrevogavelmente banido do sistema eleitoral, para sempre.

Art. 3o. – todo o esforço do Estado Purgatorense, no âmbito das eleições, será no sentido de exercer fiscalização rigorosa e austera de todo o material de campanha posto em circulação pelos candidatos e seus próceres.

a. Para tal fim, será sextuplicada a quantidade de juízes eleitorais, de maneira a garantir a celeridade do julgamento das denúncias de campanha. Será também recrutado um exército de fiscais-voluntários para trabalhar em época de eleição.

b. A multa correspondente a 1 (huma) única irregularidade constatada será correspondente ao triplo da totalidade do valor investido pelo respectivo candidato em sua campanha.

c. Compra de voto e/ou pagamento não-contabilizado de indivíduo ou grupo para trabalhar em campanha eleitoral é crime eleitoral, passível da pena estabelecida pelo Art. 2o.

Capítulo III

DA PROPAGANDA ELEITORAL

Art. Primeiríssimo. DO MARKETING ELEITORAL – fica peremptoriamente proibida a contratação de marketeiro, publicitário, profissional de mídia ou coisa que o valha para exercer qualquer tipo de função em campanhas. O objetivo é dificultar todo e qualquer artifício que desloque do centro de gravidade da campanha eleitoral o debate de idéias, propostas e argumentos pelos postulantes ao exercício do poder – isso é o que, afinal, dá sentido à política. E também, outro objetivo é acabar com a gastança com esses profissionais, que tá demais.

Art. 1o. DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO NA TELEVISÃO – O tempo do horário eleitoral será rateado proporcionalmente entre os partidos com representatividade no congresso nacional. Quando houver coligação entre partidos, à quota do partido com maior tempo será somada a  metade (jamais a totalidade) do tempo de partido com menor tempo. Por exemplo: Partido A, que tem 3 minutos, e Partido B, que tem 2 minutos, resolvem se aliar. O tempo de televisão deles é igual a 3 min + 2/2  min = 3 min +1 min = 4 min. A cada novo partido que se alie, a porcentagem descontada cresce 10% (60%, 70% etc. até 100% do respectivo tempo de televisão, caso haja coligação com 5 partidos em diante).

Parágrafo único – coligações com o mesmo partido por duas eleições seguidas implicam necessariamente na fusão dos partidos coligados em um único. Só assim para ver se acaba essa desgraça que é o fisiologismo partidário…

Art. 2o. DA EXPRESSÃO FACIAL DO CANDIDATO EM FOTOS, VÍDEOS E APARIÇÕES PÚBLICAS – O desejo é que a política também seja lúdica, de modo que continuará a ser permitido sorrir – porém apenas em 25% de cada tipo de imagem (foto, vídeo e aparição pública) veiculada pelo candidato durante o período eleitoral. Os restantes 75% contemplarão outras três macropossibilidades da expressão facial – o choro, o espanto e o alívio – na proporção de 25% cada uma. O entendimento é de que o eleitor precisa conhecer todas as faces dos candidatos, numa variedade razoável de situações, não apenas na alegria. Ademais, aparecer apenas sorrindo é ofensivo ao eleitor, levado (coitado) a imaginar que o candidato está rindo da sua desgraça.

Parágrafo único: será sumariamente excluído do processo candidato que tenha feito cirurgia plástica nos 48 meses antes do pleito eleitoral.

Art 3o. DAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS EM VÍDEO – Não será permitido uso de chroma-key, cenário girando ao fundo, tomadas externas, música incidental de qualquer tipo nem qualquer outro artifício que desvie a atenção do eleitor do conteúdo falado. Não será permitida a aparição de terceiros (transeuntes, populares, feirantes, baianas do acarajé etc), dada a impossibilidade de verificar se não são atores.

Parágrafo único: sob hipótese alguma será permitida a contratação de apresentadores nem atores profissionais ou amadores e/ou a simulação de programa “jornalístico” na propaganda eleitoral.

Art. 4o. DAS FOTOGRAFIAS

É expressamente proibida a utilização de Adobe Photoshop ou qualquer outro programa similar para edição de imagens dos candidatos. Cada candidato só poderá utilizar 5 (cinco) fotografias ao longo da campanha (entre as quais uma 3 x 4 e uma 5 x  7 formato passaporte, uma corpo inteiro, uma de perfil esquerdo e uma de perfil direito), todas atuais (com etiqueta datada na lapela do candidato) e registradas previamente no Tribunal Eleitoral do Purgatório até 90 dias antes do pleito.

Art. 5o. DO SANTINHO E DEMAIS MATERIAIS GRÁFICOS

Todo o material gráfico será numerado e não poderá ultrapassar quota equânime para todas as candidaturas, estabelecida pelo Tribunal Eleitoral do Purgatório. Todo santinho deve conter pelo menos cinco propostas do candidato, e a área correspondente a imagem e/ou ilustração não poderá superar 50% de cada superfície do santinho. Todo e qualquer tipo de cartaz será proibido, porque não tem quem aguente passar meses e meses vendo as caras dessas pestes na rua. Fora a sujeira.

Parágrafo único: para cada santinho encontrado na rua, jogado no chão, será descontado um real da conta bancária do respectivo candidato.

Art. 6o. DO JINGLE

As letras de jingles de campanha deverão veicular única e exclusivamente propostas dos candidatos. Os jingles devem ser originais (letra e música), não podendo pegar carona em hits do momento. Palavras como “amor”, “coração”, “povão”, “trabalhador”, “pelo social” etc (a serem especificadas por lei ordinária) são expressamente vedadas.

Art. 7o.  DO TEXTO FALADO E ESCRITO

Só será permitida a veiculação, ao longo de toda a campanha, de textos abordando histórico pessoal do candidato, suas convicções políticas e suas propostas. Nenhum texto escrito, falado ou mesmo improvisado, pode durar mais de 3 minutos ininterruptos.

Parágrafo único – ficam liberadas do limite de tempo as manifestações em palanques de rua e/ou assembleias em locais fechados organizadas pelas respectivas candidaturas.

Capítulo IV

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Esta lei, bandidagem, entra em vigor na data de sua publicação.