Ela detestava cozinhar porque ou queimava a comida ou se esquecia das receitas ou calculava mal os ingredientes, além de quase sempre exagerar na pitada de sal a gosto, fora o cheiro de óleo impregnado nas roupas, e detestava em especial a rotina de compras na feira da Praça que o ato de cozinhar provocava, pois os vendedores eram realmente uns miseráveis-sujos-ladrões, sem gentileza nenhuma. Mas, inevitável, ela sabia que precisava. Era assim desde mil oitocentos e antigamente, e continuaria a ser, a mulher era obrigada a superar a teimosia e os desgostos, se quisesse manter o marido, e ela queria, ah como ela queria, quem é que não iria querer, meu deus? Ainda mais no estupor de mundo em que eles moravam, onde o apocalipse demorava de chegar e se espancava mulher no meio da rua só por causa de um batonzinho vermelho no sábado à noite, sob o consentimento do padre. Portanto, não enxergando alternativa, ela se esforçou.

Copiou, em letra miúda, receitas de uma tia. Testou cada uma. Aprendeu o que era defumado, banho-maria, colher de sopa, a diferença entre panela e frigideira. Empapou arroz até descobrir a medida certa de água. Passou também a sair cedo à feira, logo depois de preparar o café do marido e da filha. Sacolinha de palha na mão, sem trela para vendedor gaiato, apalpava os legumes, as frutas, as ervas, voltava para casa e vestia o avental. Sempre sozinha, a mulher. Sua filha – que desistiu do Ensino Médio e vagava pela casa porque nem morto o pai iria deixá-la se mudar para a capital ou mesmo arranjar emprego no consultório do doutor –, a filha não ajudava nunca, o dia inteiro de camisola, os peitos todos de fora, a princesinha.

As duas, mãe e filha, mal se falavam, nenhum bom-dia, nenhum boa-noite, não se importavam nem em comentar o capítulo da novela das seis, apesar de se sentarem juntas no sofá remendado da sala. Na única troca de palavras recorrente entre elas, a filha se encostava à porta da despensa, de braços cruzados, indolente, e informava, como uma vitória, o tamanho da fome do pai. Ele comia sempre mais, a menina notava, e sorria. Sempre esfomeado, de fato, exceto em uma segunda-feira absurdamente quente, quando a menina, expressão decepcionada, depois de beber uma água gelada, disse para a mãe esquecer o fogão, hoje meu pai tá sem fome nenhuma, maínha, falou que preferia dormir. A mãe, sem alterar a voz, porque sua obrigação era somente cozinhar, mandou a filha perguntar de novo, desta vez com mais carinho.

Davi Boaventura narra cenas da vida privada, excepcionalmente, nesta quinta-feira. Alex Rolim volta na próxima semana, quando estará recomposto das emoções que descreve neste post aqui.