Quem é que não reza baixinho para ter sorte no amor?

Esta sentença – que pode ser abrangida também no sentido de penalidade, castigo – é um dos versos do clássico “Eu também sou sentimental” do pequeno gigante da música Nelson Ned. É o tema que abre o documentário “Vou Rifar Meu Coração” de Ana Rieper. Mais que um documentário, eu diria, é um retrato pintado a óleo e lágrimas da relação entre a música romântica – denominada BREGA por muitos – e os personagens dessas canções, interpretes e fãs, um amalgado de gente que fala e sente como POVO. Povo aqui na acepção que lhe cabe, de massa popular como a música que fez e ainda faz sucesso nos confins do Brasil.

O termo BREGA, com o significado que conhecemos hoje surge de maneira curiosa. A Rua Manuel da Nóbrega era um dos acessos à zona de baixo meretrício de Salvador, mas as primeiras letras da lajota portuguesa que continham o nome da rua apagaram com o tempo. Virou Rua do Brega. E a trilha sonora desses estabelecimentos, cantores de sucesso dos anos setenta, incorporou a corruptela.

Este documentário, filmado em 2011, já estava na minha lista de espera há algum tempo. Admito que demorei a assisti-lo porque não me agradava a ideia, incutida em trailers e sinopses, da história focar na dicotomia música BREGA X MPB. Este elemento está presente na película, que reivindica com autoridade o seu lugar no Olimpo musical brasileiro, mas não é o fio condutor da obra. À exceção de um discurso um pouco mais duro de Odair José, e de algumas falas mordazes e cabotinamente pândegas de Agnaldo Timóteo, não é latente o sentimento de ressentimento pela condição marginal do estilo de música em relação aos críticos. No filme o que resplandece é o amor.

Amor que transporta o espectador por histórias de gente comum, que sofre e se diverte, entre paixões e decepções tendo como pano musical as canções que marcaram suas vidas. Entremeado a isto, as participações de artistas como Wando e Amado Batista, ícones do gênero desnudando a crua realidade de suas composições. Não há floreio, nem falsa erudição: É o retrato da vida que pulsa entre quatro paredes e transborda para os palcos.

O momento mais tenso do filme é o depoimento de Lindomar Castilho. Lembrei-me das manhãs de sábado em Irará, quando minha tia Vanda desfraldava a discografia em vinil daquele homem de rosto hirsuto nas capas de LP, condenado por ter dado cabo da vida de duas pessoas num acesso estúpido de ira. Em cena, barba branca e fala pausadamente compungida, Lindomar discorre sobre a fatalidade da natureza humana, a ambiguidade entre a razão de controlar o sentimento doentio ou ceder à cólera do ciúme. Não procura justificativas, nem sabe se existem de fato, apenas pontua de forma conotativa a encruzilhada que arruinou sua vida.

Esse movimento circular que aproxima fãs e músicos, embalado pela trilha que desfila clássicos como “Princesa”, “Deslizes” e “Moranguinho do Nordeste”, é que dá tessitura e fluidez ao documentário. A câmera, atenta e reveladora, acompanha os passos de vidas comuns sem concessões gratuitas. Está ali a dificuldade para ligar o som com um palito de dente, a dura rotina do frentista abandonado pela esposa, as mulheres que gracejam na praia. A influência de Claudio Coutinho na forma de documentar os diálogos é visível. E neste caso funcionou de forma extraordinária.

Provavelmente o filme tenha me encantado devido à memória emocional que parte da trilha resgata. Já retratei isso, na minha estreia  nesta tribuna, quando o cantor Wando foi recolher calcinhas em outras plagas. Por isso mesmo a discussão sobre o valor musical deste ou daquele gênero parece-me inócuo. Se a arte foi feita para tocar os corações – e atinge esse objetivo –  não há arte menor. E se uma pessoa apaixonada fica ridícula, que ouça e dance músicas ridículas. O que não dá mesmo é pra abafar a música que brota do coração.

Alex Rolim escreve às quintas e avisa que está rifando seu coração