“- Lá fora, flocos de neve caem nos telhados de ardósia. Como Solzhenitsyn em Vermont, vou trabalhar no exílio. Mas ao contrário de Solzhenitsyn, eu não estarei sozinho.”
Fogos. Apupos. Gritos. Sou obrigado a pegar o controle e pausar a cópia digital de Cloud Atlas devido à histeria dos vizinhos. Não fosse ela não teria me dado conta da passagem de ano. O relógio digital marca 00:00 e denuncia: Está iniciado o ano UM do pós-apocalipse-frustado. Ou o ano 2013 d.c do nosso bom e velho calendário gregoriano.
Há algum tempo desapeguei-me dessas convenções comemorativas e suas superstições relacionadas. Acho mesmo que a sorte que agraciará aquele que saltar sete ondas no primeiro minuto do novo ano será a mesma da onda que será saltada por sete idiotas de branco: Morrer na praia. Não no sentido bateau-moucheano do termo, digo no sentido alegórico de ilusões que se dissolverão como espuma na areia ao longo do ano. Tenho resoluções de ano-novo engavetadas desde 1998. Já prescreveram. E nem por isso coisas fantásticas deixaram de acontecer, quase sempre de forma não planejada. O acaso é meu amigo.
Portanto se não posso aproveitar o feriado sem moderação – como foi o caso no estertor de 2012 – prefiro ficar sozinho, ler um livro ou assistir um bom filme. Abraços, preces e orações eu distribuo igualitariamente durante todas as estações.
Contudo, não me canso de repetir este mantra: Nada é coincidência, tudo é providência. Na exata hora da virada, no momento do espoco da Sidra do vizinho do apto 013, na hora em que pausei o filme, ficou frisada na tela a fala destacada no primeiro parágrafo.
Não, não me considero um exilado como Solzhenitsyn – que sofreu nas Gulags, quase morreu em Tashkent e se auto-exilou em Cavendish, Vermont – mas admito que a solidão até que me faz bem [volte cinco casas por citar Legião Urbana, infame]. O curioso foi que o primeiro livro que li ano passado “A mão direita” é deste mesmo renegado autor russo [da fase da internação dele no Uzbequistão], agora rememorado em citações pelos irmãos Wachowski em Cloud Atlas.
O filme em si não me agradou muito. É cinema de qualidade, com toda sua grandiosidade ilusória, maquiagem fantástica, paisagens incríveis, montagem e continuísmo soberbas, atuações convincentes. Só que promete muito e entrega pouco. A discussão sobre a inevitabilidade [ou não] e uma suposta não-arbitrariedade do destino [num viés mais espiritual que em Matrix] se repete e pouco se resolve. Não me encantou. Mas é possível que comova outrem.
Haveria algum recado cifrado na excêntrica aparição repetida de um controverso autor russo na minha vida pacata e fastidiosa? Deveria consultar quiromancia, cartomantes, cafeomancia, copromancia, tarólogos, traduzir o farfalhar dos coqueiros no final da tarde na orla? Para quê buscar explicação do que virá se certamente é o acaso que rege os caminhos tortuosos deste e de outros mundos? De que forma os acontecimentos que virão são determinados por aquilo que sinto e desejo?
Os melhores conselhos surgem quando a gente sequer sabe que precisa.
Dia desses, fui a uma roda de samba do recôncavo – aqui mesmo na Cidade da Bahia. Samba começou tímido, atabaques a postos, comandados por distintos senhores santo-amarenses, aquele bater de palmas, aquela cantoria bela e lamuriosa. Como bom filho do agreste, vizinho-irmão do recôncavo baiano, me aproxeguei logo pro meio da fuzarca e fui puxado para sambar com uma senhoria de vestido rodado, lenço preso à cabeça por onde escapam uns poucos fios grisalhos, chinela de couro batendo no terreiro ritmada com repique do pandeiro.
Conheço do riscado e não sou modesto, tampouco tímido na roda de samba. Mostrei meu requebro e desfilei meu repertório de samba chula, miudinho, samba duro, daquele jeito moleque, faceiro, o famoso sambo-e-me-voy, obviamente querendo expor minha figura na medina para algumas cabrochas de alta classe que tentavam desajeitadamente entrar no ritmo.
Foi então que minha parceira de samba, leve como uma pluma, deslizou no centro do salão, deu uma rodada e remexendo com as mão nas cadeiras se prostrou em minha frente e com uma voz suave, arrastada, falou:
-Não tira os olhos de Iaiá, Ioiô…
No fim das contas apenas isso é necessário. Manter os olhos atentos – e o foco – em quem realmente importa. O resto o acaso resolve. E assim, você nunca estará sozinho.
Alex Rolim escreve às quintas
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