A melhor frase do publicitário Nizan Guanaes – um dos “cérebros em fuga da Bahia” segundo Dimenstein – foi sem dúvida: “Salvador está como Bell Marques, do Chiclete. Careca e fingindo que tem trança”.

Bem, na verdade, a frase não é tão boa assim. Salvador está descuidada (o que é muito diferente de decadente), e esse não é o caso de Bell. Ele não está “lisinho” neste ano – nem no sentido facial-capilar da expressão, como fez no ano passado, quanto menos monetariamente descapitalizado, como na gíria – , portanto bem longe de ser uma figura descuidada.

Por que a alegoria do cérebro fujão é boa? Por que é fantasiosa, vende uma imagem que está longe de ser aquilo representa. Porque tem uma bandana cobrindo aquilo que todos querem esconder, mas que no fundo (ou melhor, na intimidade do espelho da suíte da cobertura no centro de Salvador) se revela.

Uso a anedota para falar da maior de todas as alegorias destas bandas: o carnaval. Pois o cérebro não fujão que está em baixo da careca coberta pela bandana revelou ao mundo uma verdade que surpreendeu a todos por “ter sempre estado oculta quando terá sido óbvia”: A corda une.

“A corda dos blocos é necessária para que ricos e pobres possam usufruir do Carnaval”, declarou Bell, antigo baixista da banda Scorpius, num arroubo de inteligência que fez corar a herma de Rui Barbosa – outro cabeçudo que se picou daqui muito antes do Chiclete arrastar o Voa-voa. Foi essa lógica, a da corda, que transformou a nossa popular festa de rua numa desordem organizada, um dos maiores espetáculos da Terra: rentável, camarotizável e principalmente televisionável para mais de 500 países, como citou alguma destas apresentadoras bonitinhas que aparecem aqui no período momesco.

É por isso que desbancamos Recife, por exemplo. Lá, uma rede nacional de TV tentou transmitir o “desfile” dos blocos e fanfarras, mas a balbúrdia foi tão grande, a algazarra sonora tão indecifrável, que a idéia foi logo abortada. Que diabo de carnaval é esse que o povo não para quieto e se move em todas as direções? Não tem circuito, não tem coreografia ensaiada, nem relógio marcando tempo, nem fantasia padronizada pra distinguir os foliões, nem sambódromo? Pensam que isso é o quê? Reino de Baco?

Pior ainda esse movimento que retoma o carnaval de rua no Rio. Preocupante valorizar um carnaval que não tem vencedor, não tem júri, nem troféu pro melhor bloco. Não tem destaque e muitas vezes o rei/rainha homenageado(a) tá mais bêbado do que você, folião. Sem falar que dá espaço pra um bocado de músico não profissional que só deveria tocar no quintal. Carnaval não é para amadores.

Pois bem, péssima notícia pros pensadores alopécicos: essa praga de carnaval da balbúrdia tá ressuscitando aqui mesmo, na nossa reentrância [lá ele] geográfica. Sim, Bell, coloque suas barbas de molho! Espiões infiltrados nos mais diversos recônditos da cidade atestam que os bailes dos tempos do Tabaris*, Fantoches da Euterpe e afins começam a ter mais de meia dúzia de gatos pingados. E pior ainda: blocos genuinamente de rua começam a ganhar força com sua fanfarras e sambas pelos bairros outrora boêmios do Santo Antônio e Pituba**.

Aí o império do axé contra-ataca. Inventaram agora de sair um dia sem corda ou colocar a pipoca dentro de uma bolha*** para ludibriar os incautos. Até encontro de trios parece que vai rolar né? Com dois garotos bem talentosos do clã dos Marques. Enfim, a idéia de reviver a época de ouro dos carnavais fazendo a galera pagar por todo o modelo atual parece boa, mas é bom estar atento: não deixem a bandana cair. Afinal, o que a corda une, nem mesmo o Deus do coração e o Diabo do quadril separa.

*Tabaris – Onde o som era melhor que Bee Gees – atesta Chico Buarque

**Blocos como de Hoje a Oito, Banda da Pituba e Habeas Copus ganham força quebrando a lógica do atual mercado carnavalesco.

***PopCorn Experience era um projeto do Camarote Harém. Devido a rejeição em redes sociais, foi retirado o projeto da rede.

Alex Rolim é o convidado especial dos sábados de fevereiro