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– Entre logo rapaz! Se alguém nos vê aqui e conta pra tia, estamos ferrados.

Falou e esbarrou no meu ombro com um toque sutil, porém enérgico, suficiente para que me desse conta que não devia ficar admirando a porta minúscula daquela casa verde – era bem desproporcional na verdade, devia ter 2,30 m de altura e uns 0,70 m de largura – quase todo mundo entrava de lado, exceto franzinos como eu. Especialmente às 11 horas de sábado de feira com sol a pino, daqueles comuns ao agreste baiano entre setembro e novembro.

A casa em questão era a mais frequentada em qualquer dia ou época por aquelas paragens. Localizada exatamente atrás do mercado de carne – ironia caprichosa ou perífrase popular? – tornou a expressão “ir ao açougue” de uma dubiedade que acusava ou inocentava, a depender da habilidade do interlocutor. No caso em questão, estávamos mais interessados no sentido luxurioso da expressão.

Internamente o ambiente era meio funesto, com uma lâmpada vermelha incandescente acima do vão de um corredor central que terminava numa saleta decorada com cortinas de chita e ventiladores de teto que pouco aliviavam o calor.

– Quem é o menino? – quis saber a morena cor de jambo, daquelas de beleza inzoneira.

– Meu primo. Tava curioso pra conhecer aqui. É um menino bom, esperto…

Diante da resposta, a manteúda foi ao lado da vitrola, colocou um vinil que tinha um cantor com violão na capa – e usava um mullet que era moda na época – e após os primeiros estampidos da agulha um pouco empoeirada, a voz mansa ecoou na saleta:

“Moça / Me espere amanhã / Levo meu coração / Pronto pra te entregar”

– Dança comigo?

E saí a valsar, desajeitado, suando bicas, pouco à vontade. Ela – decerto 10 anos mais velha e 10 cm mais alta – apertava minha cabeça contra seu colo e cantarolava enquanto me conduzia num compasso próximo ao do bolero.

“Eu quero me enrolar nos teus cabelos/ Abraçar teu corpo inteiro / Morrer de amor / De amor me perder”

Dançamos apenas a primeira faixa do LP. Entretanto, a imaginação é a primeira fonte da felicidade humana*. E na casa verde atrás do açougue ficou minha timidez.

*Frase atribuída ao poeta italiano Giacomo Leopardi

Alex Rolim é o convidado especial dos sábados de fevereiro

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