Queimadas, no semi-árido baiano, tem quase 40 mil habitantes, a grande maioria deles na zona rural. Dentro deste universo de moradores, nascidos ou não por essas bandas, há apenas um – eu disse UM! – exclusivo, disputadíssimo, Chaveiro.
Quem perde, extravia, quebra, ou simplesmente deseja ter mais de uma cópia das chaves da porta de casa – ou da porta de qualquer coisa do vasto mundo de fechaduras – precisa ir ter com o dito cujo. É uma autoridade, diga se não é?
Chapéu de palha e uma infinidade de pequenas ferramentas. Bermuda até o joelho, chinelos de dedo (que faz questão de deixar à porta quando vai prestar o serviço na casa do cliente), sorriso de quem tem o monopólio. Gente boa.
– Conhece Magaiver? – ele pergunta enquanto mexe uma peça de metal com particular destreza dentro da fechadura da porta, numa velocidade que tenho dificuldade em acreditar que conseguirá me dar a felicidade de entrar em casa.
– Sim, conheço, MacGyver…daquele seriado, né?
– Sim, ele mesmo! Aprendeu comigo.
O Chaveiro ri um riso solto. Eu sigo. Penso: MacGyver do sertão. Bobagem.
Em questão de segundos o miolo da fechadura está nas mãos do Chaveiro. Ele comunica: vai ter que levar o miolo pra poder fazer a cópia. Peço pra que não demore e que seja bróder: pegue leve nos valores. Ele sorri, olha pra trás, ajeita o chapéu de palha, o óculos sobre o nariz. Não diz nada.
O Chaveiro tem regalias das grandes em Queimadas. Tem uma banquinha na frente do Oliveira Supermercados e atende somente até as 13 horas. Depois disso, só se for bater à porta dele. Ele vai, de boa, na casa do cliente, mas Toinho (caseiro da Vila Marck Itália) me avisa:
– Tem que passar lá depois da hora de descansar. Sabe aquele povo que não tem dinheiro mas bota banca? É um deles.
Cá comigo penso que ele que sabe ser feliz, fazendo o próprio tempo. Ainda bem que requisitei o serviço hoje, véspera de feriado. Amanhã ia ficar na rua, sem chave, sem teto.
Vinte minutos depois (a casa do Chaveiro dava pra ir a pé), ele volta, com tudo resolvido. Converso.
– Como é que o cara perde uma penca de chaves, né não?
– Feliz sou eu que tem gente que sempre perde chave, camarada.
– Ah, isso é. Ficou quanto o serviço?
– Dez, mais oito, dezoito. Quinze paga.
– Ôpa!
Três cópias de chaves, atendimento em casa, conversa pra sorrir, interação. Quinze ficou barato. Ele sai, carregando as ferramentas, arrastando o chinelo no barro. Grito.
– Cê não me disse seu nome, rapá!
– Tá aí, no chaveirinho que deixei!
Robeilton Chaveiro. Celular tal-tal. Não vai ser difícil de achá-lo por aqui.
3 comentários
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outubro 14, 2011 12:39 am às 0:39
Romulo
Vim mais cedo. N consegui esperar o boletim da segunda-feira! Que cabra bom de contar histórias da peste! Eita que logo, logo sairá um livro. ;)
Vc já tem as chaves. Um molho cheio delas.
outubro 21, 2011 10:15 pm às 22:15
Carmezim
Rominho! Queimadas é um poço de histórias mesmo!
Quem sabe a gente não pensa junto e o livro sai em conjunto?
E eu, sempre feliz com suas visitas!
outubro 19, 2011 7:05 am às 7:05
Em Queimadas: « O Purgatório
[…] 7 – Só existe um chaveiro pra todos os habitantes (falei sobre isso no texto anterior); […]