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Um vi, pescoço inclinado e linha do olhar espremida pelo concreto da arquibancada superior, quando ele chutou da entrada da área com o pé esquerdo – ou teria sido o direito – e provocou o silêncio, depois a euforia.
Não me lembro bem.
O que lembro mesmo, nítido, sou eu ali pequenininho, mão dadas com Fernandinho a entrar no estádio lotado. Lembro de procurar um lugar e só achar um cubículo onde chamavam camarote, mas que naquele dia foi tomado pelo povo.
Perdíamos.
Dois cubículos para a esquerda, um brother – brother uma ova, um sacana – agitava a camisa rubro-negra feito um maluco e chamava os outros de “bi, bi, bicha”.
Era ele e mais 1/3 do estádio.
Tempos 90s, todo mundo misturado, e o cara ali com aquele shortinho jeans desfiado na bainha.
Ele já tinha o grito do vitorioso, mas veio o gol e o sacana se calou.
Silêncio.
Parece que gritei com os ouvidos, por tudo que tinha escutado nos mais de 90 minutos.
Euforia!
Euforia…
Depois foi andar pelo estádio cheiro de concreto mijado, olhos alucinados por aquela emoção, que poderia até dizer, da conquista. Mas é muito mais do que isso.
É além da felicidade de vencer.
É uma energia comum, compartilhada, um êxtase coletivo porque milhões de individuais. Uma agitação própria dos átomos, uma variação rara dos sons.
Não é também como se fosse ver um filho nascer, ou ganhar um prêmio, ou um beijo inesperado de um amor impossível sempre desejado.
É um gol do Bahia!
É essa a classificação.
Aquela alegria que explode diferente, daquela forma, desse jeito especial, tricolor, harmônico, simpático, louco, vibrante, é isso: um gol do Bahia!
Ogum, Iansã e Oxalá!
Azul, vermelho e branco.
Não acredito em Deus, mas, com o Bahia, até em Deus acredito!
Um dia, não me lembro o ano, Bahia e São Paulo no Pituaçu velho. A Fonte estava, acho, com o gramado em reforma – minha memória não é boa para essas concretudes.
Sentado no lado da arquibancada da floresta, vi a bola sair na linha de fundo. Escanteio. 0 x 0. Cruzei as mão, levei-as à boca e pedi: “Por favor, meu Deus, o gol do Bahia”.
Me concentrei tanto, que fiz conexão com alguma coisa que não sei o que é, mas era forte e real.
Bobô, na primeira trave, desvia de cabeça. E aquela zorra explode.
Me lembro muito bem das sensações, dos sentimentos, do que ocorre dentro de mim nessas horas. Isso é muito mais claro do que os fatos em si, os gols, passes, cabeceios, desarmes.
É uma relação diferente, quântica.
Não é simplesmente ver futebol.
Tem gente que não entende – ninguém entende, só quem sente.
Ninguém nunca me levou para o estádio. Meu pai nunca calçou uma chuteira e nunca vestiu camisa de qualquer time.
Não há nenhum Bahia em minha família. Ninguém, nenhuma referência. Não tive um ídolo de infância Bahia – tipo aquele tio boa pinta. Nem um irmão mais velho, um primo, alguém que falasse.
Nada.
Só uma camisa tricolor, de pano, escrito, abandonada no travessão de um campo de barro e uma criança que roubou pelo Bahia. Foi a minha primeira camisa.
É uma coisa que nem eu sei como e quando começou. Desconfio que seja intrínseca, que veio do sempre, da existência, mas já confessei não ser místico.
Tudo bem que na Bahia até o materialista é fantástico.
É família. Minha mãe, meu pai, meus irmãos, meus amigos e meu Bahia.
Pode achar maluco, porque é mesmo.
Mas é assim, simplesmente. Uma complexidade tremenda!
Baêa minha vida!
Vítor Rocha publica aos sábados, mas escreveu na quinta à noite, após assistir ao filme “Bahêa Minha Vida”. Vejam!