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A ideia de um homem que carregava o coração por aí em uma caixa de sapatos não é minha, mas sinto como se fosse. Também não está tão longe. Ela veio de um amigo, em um dos muitos emails longos que trocamos por muito tempo.

Naquela época – como hoje – cometia o erro de não anotar ideias, achando que elas ficariam para sempre comigo, se boas o suficiente. Mas o negócio é que não sou uma dessas pessoas que consegue ter ideias o tempo todo e escrever facilmente sobre tudo. É difícil, quando todo mundo tem algo a dizer.

Mas o coração na caixa de sapatos foi ficando e já está aqui há dez anos, guardado em uma redoma como a moeda número 1 do tio Patinhas. É uma imagem bonita, gosto de pensar que ela diz algo bom sobre mim, quem sabe me dê até sorte,  mas não consigo fazer nada com ela.

Seria possível escrever um conto esquisito e bonitinho sobre esse cara, quem é ele, como é sua vida carregando o coração do lado de fora do peito, o que ele faz se esquece o coração no táxi, o que acontece quando o coração bate mais forte e quando, por alguns milésimos de segundo, parece que ele deixou de bater.

O risco é que ficasse irremediavelmente brega, mas quem sabe a história poderia até ser sugerida, enunciada levemente, e transformada em algum tipo de propaganda de celular, que nem aquela em que o cara andava para trás.

O coração carregado numa caixa de sapatos também caberia como metáfora para tantas coisas em um desses textos do Purgatório. Para quando procuramos o amor insistentemente; para quando nos decepcionamos com ele e decidimos afastá-lo minimamente das nossas funções corporais; para quando queremos entregar o coração a alguém; para quando o recebemos de volta.

Mas entre todas essas possibilidades e pouco talento, se foram dez anos e nada. Uma falha talvez imperdoável para quem entrou nesse negócio de comunicação porque achava que sabia escrever (gostar da ideia de saber escrever e saber escrever são coisas bem distantes, mas talvez eu aprendesse isso mais rapidamente se tivesse estudado, sei lá, Letras).

Mas algumas semanas atrás, o mundo me deu um tapinha nas costas, quando saiu esse vídeo do Centro Médico Ronald Reagan, da Universidade da Califórnia. Para aumentar as chances de sucesso em transplantes de coração, eles inventaram uma caixa de plástico mais ou menos do tamanho de uma caixa de sapatos e um sistema que deixa o órgão que será transplantado batendo, vivo, durante o transporte, ao invés de congelado em uma caixa térmica.

No vídeo, os médicos dizem que conseguiram transformar um conceito “de ficção científica” em realidade. Me perguntei quem reivindicaria a autoria do coração na caixa de sapatos, além de mim e do meu amigo (que já havia se esquecido dela, pelo que pude constatar recentemente), mas, no fim, não importa.

Bastante emocionada e um pouco derrotada, tive que ceder a ideia para quem a usou melhor.

*Camilla Costa escreve às quintas-feiras, mas seu dia foi excepcionalmente ocupado pelo texto de Junia Mortimer .

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