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Hoje empresto meu espaço para Mariana Paiva, que neste mês lançou Barroca, seu primeiro livro:
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Conheceram-se numa seção de cartas do jornal. Explico como: depois de um decreto-lei proibindo que os homens urinassem em vias públicas, ele escreveu para o hebdomadário afirmando suas mais profundas convicções: que isso era coisa de homem safado, salafrário, sem educação doméstica. Que não cabia mais a um país que se pretendia civilizado que os carros trafegassem nas estradas cujos acostamentos eram mijadouros públicos. Vendo a carta dele publicada na edição de 05.06, na página dois, ela não conseguiu se conter. Finalmente um macho diferente, sem aqueles trejeitos defendidos por seus colegas de trabalho que podiam facilmente ter saído das histórias de Piteco, de Maurício de Souza (a referência era a mais próxima de seu universo, de menina outrora viciada em quadrinhos da Mônica).
Pensou logo que aquele dali devia ser um espécime diferente dos demais. Certamente não aumentava o volume do rádio quando estava transmitindo o jogo. E aquelas vinhetas infernais? Então escreveria uma carta, quem sabe aquele macho que não era tão alfa assim se compadeceria da solidão dela. Sem pensar muito, pegou um papel e escreveu: “Concordo plenamente com a carta do sr. Fulano de Tal. É uma vergonha não conseguir segurar a própria vergonha dentro da calça e esperar chegar ao banheiro público mais próximo”.
Foi assim, de uma mijada (ou de milhares delas espalhadas ao redor da cidade, debaixo das passarelas, nos viadutos e em todos os cantinhos possíveis) que nasceu aquele amor. Passado um dia da publicação da carta dela, ele respondeu, e mais ela, até o dia em que ele finalmente ligou para a redação. Foi uma voz feminina de nome Dulce que atendeu a ligação, e esta se revelava atendente de telemarketing. Ele havia ligado para o setor errado, mas não importava: tratou de fazer amizade e não depois muitos dias (e ligações, consequentemente), Dulce ditou os números do telefone da fulana para o coitado desesperado de amor do outro lado da linha. “Olha, não podia estar fazendo isso não, é contra as normas da empresa, mas tudo bem, só porque fui com sua cara”.
Um dia, ela ali molhando as plantas de casa (tinha até um alfinete que, de vez em quando, recebia alguns mililitros de seu xixi, receita da avó para plantas sempre frondosas), o telefone tocou. Marcaram de sair. Foram a uma lanchonete barata qualquer, só para se ver mesmo. Gostaram. Passearam mais um par de vezes até que surgisse o primeiro beijo.
Logo começaram a namorar. Marcaram uma viagem no São João – para Feira de Santana, terra onde viviam os pais dela, os novos sogros dele. Em tudo tão parecidos. Almas gêmeas, perfeitinhos um pro outro. Até que um engarrafamento pôs fim a tudo o que estava começando. Os faróis acesos, a BR-324 cheia de carros e ele nervoso. Cinco horas de trânsito parado. Ou não-trânsito. Ele estava ficando suado. Sua bexiga doía. E entre uma infecção urinária e o amor, foi então que ele encostou o carro e se aliviou.