*Para os velhos do Encontro

Eu vou fazer oitenta anos, sabe. É muita coisa. Quantos anos você tem? Ah, é muito novo ainda, talvez um dia entenda o que vou falar.

É natural isso de sonhar, quando se é jovem, com atos gigantescos. Fazer algo que marque, que mude o mundo. Mas vou dizer uma coisa: isso é besteira. A beleza está nas coisas pequenas e em mudar o que está ao seu redor.

Uma vez, acho que era em Montevidéu, vi um rapaz que fazia esculturas em miniatura. Primeiro ele moldava o palito de fósforo, depois pintava cada detalhe. Um trabalhão. As cores eram de uma sutileza… Mas sabe o que acontecia? Ninguém dava muita bola, porque era pequeno. Para ver direito, tinha que ter paciência, pegar a lupa e coisa e tal. E então você via, na mesma praça, as pessoas tirando foto e admirando aquele busto feio de um libertador ou ditador qualquer que ninguém sabia quem era. Vai entender…

Eu sempre sonhei ser escritor, sabe. Mas eu não queria escrever para ser famoso, ganhar prêmio, vender milhões de livros. Não, não, eu queria ser escritor pra entregar um poeminha, uma meia dúzia de palavras bonitas pras mulheres que amei e pros amigos de verdade. E pedir desculpas, hein? Muito mais fácil pra quem é escritor. Faz uma carta, coloca na ponta do lápis o coração e tudo resolvido.

Dei toda essa volta, mas não esqueci tua pergunta. A coisa que mais me orgulha de ter feito na vida pode parecer pequena pra você, mas um dia você vai entender o que eu falo.

Eu passei muitos anos trabalhando numa fábrica. Depois do almoço, eu pegava as sementes de goiaba, de mexerica, maçã e ia para trás da fábrica, onde havia um terreno baldio. Ali eu cavava um buraco e plantava as sementes. Fazia pra passar o tempo, fazer a digestão. Depois eu comecei a levar sementes de árvores que dessem sombra, pra que eu pudesse um dia descansar embaixo delas na minha sesta. Mas aí fiquei doente e veio a aposentadoria.

Esses dias eu voltei lá na fábrica. Sabe o que fizeram? Eles construíram um estacionamento no terreno, mas deixaram tudo que eu plantei. Depois do almoço, o pessoal vai lá tirar um cochilo e comer fruta. Aquilo virou uma alameda linda e ganhou até nome, o meu.

Ricardo Viel escreve às segundas